Retirantes
Por JOSÉ DE SOUZA MARTINS
Henri Ballot (1921-1997) foi ao Nordeste de 1952 ver como vinha aquela gente para São Paulo. Como era o que chamavam de caçar o destino. Diziam que era onde seu trabalho valeria mais do que o quase nada que ali valia.
Homens, mulheres e crianças se preparavam para vir embora. Suas fotos são o retrato dos sentimentos do fotógrafo. Criou a imagem que é um modo de ver o êxodo nos rostos de quem partia. O êxodo como desalento, incerteza e medo. Como fuga.
É a síntese de um país do avesso: a foto da nordestina a desembarcar em São Paulo com a mala na cabeça e o filho no colo, outros filhos enrabixados, o cansaço no rosto. O olhar de quem busca alguém que não veio esperá-la expressa dramaticamente o Brasil daquela hora, o dos desencontros. Nas malas e sacos na cabeça, o tudo que tinham do quase nada que a vida lhes dera para nada encontrar.
Ballot fotografou momentos da viagem. Num banco apertado de trem, uma mãe amamenta um bebê grande. Duas filhas pequenas nela grudadas. No bairro do Brás, na São Paulo da chegada, a longa procissão adentra a Hospedaria de Imigrantes, que a engole.
O retirante definiu o imaginário de um país invisível. Ballot foi um artesão da imagem dessa dolorosa descoberta do Brasil. O imaginário que se expressa nessa foto da retirante que chega ao lugar nenhum da cidade grande e de vários modos hostil. Do outro lado do silêncio dessa mulher, posso ouvir o alagoano-paulista Judas Isgorogota, em Os que vêm de longe: “Vocês não queiram mal aos que vêm de longe, aos que vêm sem rumo certo, como eu vim; as tempestades é que nos atiram para as praias sem fim…”
José de Souza Martins é sociólogo, professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e autor de “Sociologia do desconhecimento: ensaios sobre a incerteza do instante” e “Linchamento: a justiça popular do Brasil”, entre outros livros.