Carmen: o último ato
LUIZ FERNANDO VIANNA
Foram quatro meses quase exatos: Carmen Miranda ficou no Brasil (leia-se Rio de Janeiro e Petrópolis) de 3 dezembro de 1954 a 4 de abril do ano seguinte. Voltava em férias após 14 anos ausente. Seus parentes e o médico escalado para cuidar dela batalharam, nem sempre com sucesso, para que não abusasse da dieta química praticada nos Estados Unidos: álcool e remédios. Não foi um período leve, mas ela teve o prazer de rever os amigos. E partiu dizendo querer retornar, talvez para viver por aqui.
Carmen retornou, mas da pior maneira: dentro de um caixão. Sofrera um infarto fatal em 5 de agosto, em sua casa, em Los Angeles. Foi o desfecho de uma rotina massacrante de trabalho mantida a uísque, pílulas para dormir e pílulas para acordar. Tornou-se uma das artistas mais famosas de seu tempo, mas morreu com apenas 46 anos.
O avião com o seu corpo aterrissou no Aeroporto do Galeão no dia 12. Pôs-se o caixão, com uma bandeira do Brasil por cima, num caminhão do Corpo de Bombeiros. Ele seguiu até a Câmara dos Vereadores, diante de uma Cinelândia (nome popular da Praça Floriano) coberta por um tapete de gente. Por causa da aglomeração, da emoção ou de ambas, houve quem passasse mal.
Para dar o que a imprensa ainda chama de “o último adeus”, fãs e amigos estiveram no saguão da Câmara. Ao todo, cerca de 60 mil pessoas. Artistas foram muitos, incluindo compositores de músicas gravadas pela cantora e outros que não tiveram a mesma sorte – caso de Heitor dos Prazeres. Os fotógrafos fizeram o que hoje, em geral, se evita: retrataram o rosto do cadáver.
As homenagens continuaram no dia 13. O carro dos Bombeiros percorreu os bairros da Glória e do Flamengo até parar no Cemitério São João Batista, em Botafogo, onde mais gente se espremia. Na impossibilidade de se chegar a um número preciso, diz-se que centenas de milhares se despediram de Carmen nos dois dias. Ficou consagrado como um dos maiores funerais da história do Rio.