40 anos sem Mané
EQUIPE TESTEMUNHA OCULAR
O nome Manoel Francisco dos Santos talvez não soe familiar, mas o apelido que recebeu ainda criança é conhecido por todos. Garrincha – referência a um pássaro pequeno e veloz, de cor marrom, com o dorso listrado de preto – nasceu em Pau Grande, pequena localidade da Raiz da Serra, município de Magé, Rio de Janeiro, a 28 de outubro de 1933.
Ele começou a jogar no Sport Club Pau Grande, fundado pelos proprietários ingleses da América Fabril, indústria têxtil em que era mantido como empregado sobretudo por ser a grande estrela do time.
Em seguida, Garrincha jogou como amador entre 1949 e 1950 no Cruzeiro do Sul, de Petrópolis, e foi contratado em 1951 pelo Serrano, também de Petrópolis. Em 1952, Arati, zagueiro do Botafogo, em visita à Raiz da Serra, acabou apitando um jogo do Pau Grande e ficou impressionado com o futebol de Garrincha. Só conseguiu trazê-lo a General Severiano um ano mais tarde, apresentando-o ao técnico Gentil Cardoso. Onze dias depois, a 21 de junho de 1953, ele estreava como titular em um amistoso contra o Avelar, de Miguel Pereira (RJ), fazendo o gol da vitória por 1 a 0.
Garrincha jogou 12 anos pelo Botafogo, num total de 610 partidas, sendo de recordar especialmente as finais do campeonato carioca de 1957 (6 a 2 contra o Fluminense) e de 1962 (3 a 0 contra o Flamengo). Seu último jogo pelo Botafogo ocorreu em 15 de setembro de 1965, um 2 a 1 contra a Portuguesa da Ilha do Governador. Em 1966, jogou pelo Corinthians e pela seleção brasileira na Copa do Mundo da Inglaterra e, de novembro de 1968 a abril de 1969, pelo Flamengo. Em 1972, jogou pelo Olaria.
Garrincha marcou 12 gols nas 50 vezes em que atuou pela seleção brasileira. Nas vezes em que ele e Pelé estiveram juntos em campo, o time não perdeu nenhuma partida. Memoráveis pela seleção foram suas atuações contra a União Soviética e a Suécia, na Copa de 1958, e contra a Inglaterra e o Chile, com dois gols seus em cada partida, na Copa de 1962.
Mané Garrincha, como também era conhecido por conta do nome Manoel, recebeu outros apelidos durante sua carreira. Dois se destacaram: “Alegria do Povo” e “Anjo das Pernas Tortas”. De fato, Garrincha tinha a perna esquerda arqueada para fora e a perna direita torta para dentro, sendo esta muito mais curta que a canhota, o que lhe desequilibrava a bacia. No entanto, coisa que admirava os médicos, sua pisada era a mais perfeita entre todas com que fosse comparada. Com o tempo, porém, o menisco interno do joelho direito passou a inflamar, provocando dores e inchaços.
Por duas vezes foram marcadas cirurgias, mas ele não apareceu no hospital. Preferiu recorrer a uma rezadeira de Pau Grande. Recebeu injeções de anestésicos, porque os contratos do Botafogo em excursões exigiam a presença do gênio em campo. Quando se deixou operar já era tarde.
Garrincha se casou em 1952, aos 19 anos, com dona Nair (Marques), sua colega na América Fabril, com quem, em 13 anos, teve oito filhas. Conheceu em 1961 a cantora Elza Soares, com quem passou a viver (e por quinze anos) após a Copa do Mundo de 1962. Os dois tiveram um filho, Garrinchinha, que morreu num acidente de carro em 1986, aos nove anos de idade. Os últimos tempos foram para ela um heroico exercício de resistência para tentar afastar Garrincha do alcoolismo que avançava sem remédio. Até que ela jogou a toalha em 1977.
Em 1963, dirigindo alcoolizado, ele havia causado dois acidentes em onze dias, o primeiro custando a Elza alguns dentes incisivos superiores e o segundo provocando fratura exposta na perna de um menino que atravessava uma estrada de Magé e foi por ele atropelado. Seis anos depois, também com ele alcoolizado na direção, houve em São João de Meriti o pavoroso acidente em que perdeu a vida a mãe de Elza Soares.
Já no fim da carreira, aconteceu no Maracanã, na noite de 19 de dezembro de 1973, um jogo com público de mais de 130 mil pessoas, entre jogadores da Seleção – com Garrincha na ponta-direita – e estrangeiros em atuação no Brasil. A renda da partida, com vitória de 2 a 1 para os brasileiros, foi toda para sanar a situação financeira crítica em que viviam as filhas do primeiro casamento.
Garrincha morreu aos 49 anos, no dia 20 de janeiro de 1983, depois de passar por oito internações em seu último ano de vida no hospital psiquiátrico Casa de Saúde Dr. Eiras, em Botafogo, no Rio. O velório foi realizado no Maracanã e acompanhado por milhares de torcedores. Ele foi enterrado na tarde do dia seguinte no cemitério de Inhomirim, em Magé.
Ao longo do trajeto entre o estádio e sua cidade natal, o povo jogou flores, aplaudiu o cortejo e saudou o jogador com gritos de “está chegando a hora” e “ei, ei, ei, Garrincha é nosso rei”. O sepultamento reuniu uma multidão, que se aglomerou até sobre túmulos e árvores para se despedir da Alegria do Povo.