Samba traz de volta Lampião
EQUIPE TESTEMUNHA OCULAR
Vencedora do carnaval 2023, a Imperatriz Leopoldinense levou para a avenida uma releitura de Lampião, inspirada em cordéis nordestinos, no enredo “O aperreio do cabra que o excomungado tratou com má-querença e o santíssimo não deu guarida”. A saga do Rei do Cangaço, de Maria Bonita e de seu bando foi registrada pelas lentes do fotógrafo Benjamin Abrahão Calil Botto, que percorreu nos anos 1930 o sertão nordestino.
Benjamin era secretário particular de Padre Cícero. Após a morte do sacerdote, em 20 de julho de 1934, ele procurou Adhemar Bezerra de Albuquerque, fundador da Aba Film, e deu a ideia de fotografar Lampião e seus cangaceiros. Outros profissionais registraram o Cangaço, mas Benjamin acabou se tornando o principal fotógrafo a documentar o bando. Com equipamentos fornecidos por Adhemar, ele se embrenhou pela caatinga e, ao longo de 18 meses, viajou por Alagoas, Bahia, Paraíba, Pernambuco e Sergipe. Além das imagens, ele fez ainda um filme.
Benjamin registrou os cangaceiros, seus hábitos, sua maneira de comer, de se vestir, de se comportar. Em 1937, várias dessas imagens foram publicadas pelos Diários Associados. Como escreve Andrea C. T. Wanderley, editora-assistente e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica, “tanto as fotografias como o documentário de Benjamin Abrahão foram considerados uma afronta ao governo federal”. Na reportagem “Lampião e outros cangaceiros sob as lentes de Benjamin Abrahão”, publicada no portal em 2017, ela conta que “todo o material foi apreendido após uma exibição do filme em sessão fechada para autoridades locais no Cine Moderno, em 10 de abril de 1937, em Fortaleza”. Muitos anos mais tarde, as fotos e os negativos foram encontrados jogados num canto de uma sala de repartição pública. O material foi recuperado e remontado.
No artigo “A guerra das imagens: Lampião descobre a fotografia”, que integra o livro “Conflitos: fotografia e violência política no Brasil 1889-1964”, lançado pelo Instituto Moreira Salles, a historiadora Elise Jasmin observa: “Lampião insistia em ser fotografado com um livro ou uma revista na mão, lendo artigos sobre si próprio. Para um homem com pouca instrução, mas que alcançara grande notoriedade, emulava os notáveis e políticos importantes do sertão, conquistara um território e falava de igual para igual com as autoridades governamentais do Nordeste, era de extrema importância mostrar que sabia ler e escrever.” Segundo Elise, ele sabia usar o poder da fotografia. Era um estrategista dotado de um senso inato de comunicação. As fotos, publicadas na imprensa, ajudavam a criar uma imagem romantizada de uma figura onipresente.
Lampião, Maria Bonita e nove de seus companheiros foram mortos e decapitados em 28 de julho de 1938, em Sergipe. Benjamin havia sido assassinado pouco mais de dois meses antes, com 42 facadas, em Águas Belas, hoje Itaíba, no interior de Pernambuco, no dia 10 de maio. Como escreve Andrea: “As hipóteses vão desde crime passional até queima de arquivo, já que ele sabia do envolvimento de autoridades com Lampião.”
Em 2013, o Instituto Moreira Salles adquiriu junto ao Instituto Cultural Chico Albuquerque o direito de uso dessas imagens para fins culturais.