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IMAGEM PENSADA

A lua equilibrista

JOAQUIM FERREIRA DOS SANTOS

O Rio de Janeiro é uma cidade cercada de cartões-postais por todos os lados, e no dia 4 de junho de 2023, exatamente às 6h28m, o fotógrafo Leonardo Sens, 39 anos, inventou mais um. Armado de uma Nikon D810, apontando uma tele de 600 milímetros, ele flagrou uma lua cheia imensa sustentada exatamente sobre os ombros do Cristo Redentor.

Leonardo estava a 11 quilômetros de distância, do outro lado da Baía de Guanabara, em Niterói, na praia de Icaraí, na altura da rua Lopes Trovão. Ao seu lado na areia, também com câmeras presas em tripés a um metro de altura, outros 12 fotógrafos. Chegaram ao local por volta das 5h e esperaram o momento exato. Todos disputavam quem faria o mais belo clique do Redentor contracenando com a “lua de morango”, o nome que se dá à lua cheia de junho.

A “lua de morango” tem esse nome não porque nela ocorra uma mudança de cor, mas por corresponder à época em que se realiza a colheita da fruta nos Estados Unidos. Há três anos Leonardo estava de olho nela. Sabia que, comprimida pela lente de grande alcance, a lua daria a ilusão de estar bem próxima do santo protagonista da cena. Ficaria mais cheia ainda, cresceria de tamanho e serviria de elemento extra, uma moldura redonda sobrenatural, para contracenar com o Cristo. Renovaria a imagem já tão conhecida do fabuloso cartão-postal.

Em todos os anos anteriores, quando a “lua de morango” passava por ali, Leonardo não tinha o equipamento apropriado ou o céu não se mostrava limpo o suficiente. Neste início de junho de 2023 estava tudo perfeito (mais do que um “céu de brigadeiro”, um céu de fotógrafo). Ajudado por aplicativos de meteorologia, na hora em que a lua se alinhou ao Cristo, ele se pôs em ação para o clique.

A lente estava com o diafragma em abertura de 7.1 e velocidade1/400. O fotógrafo colocou a câmera sobre o tripé, de altura baixa para ter mais estabilidade. Facilitava também os deslocamentos, a procura dos enquadramentos (além da lua nos ombros, enquadrou-a aos pés do morro, numa das mãos da estátua, entre outras poses, como se pode ver nas fotos abaixo). Por fim, Sens acertou o foco. Quando a “lua de morango” apareceu no visor do jeito com que sempre sonhara, apertou o obturador no modo de timer para múltiplos disparos – e entre as dezenas de registros obtidos, com diferenças imperceptíveis a um olho não treinado, escolheu uma para postar nas redes sociais.

Leonardo Sens tornou-se fotógrafo profissional há cinco anos, faz fotos de produtos, books para agência, festas em geral. Admira Sebastião Salgado e Araquém Alcântara, craques em insinuar a questão social nas fotos de natureza, mas gosta mesmo é de enquadrar a vida, sempre linda, sob o nascer ou o pôr do sol.

Em dois dias, incorporou 50 mil seguidores à sua conta do Instagram (@leosens). Alguns comentavam ter visto em outros sites as fotos da dúzia de companheiros que estavam na praia de Icaraí. Nenhum clique, garantiam, lhe chegou perto. Todos comentavam a felicidade de ele ter conseguido uma imagem inédita de um cenário tão fotografado.

Ninguém lembrou de citar Carlos Drummond de Andrade, mas foi o que a foto me sugeriu logo ao primeiro olhar: uma releitura atualizada do poema “Os ombros sustentam o mundo”, de 1940. Leonardo Sens fez, com “Os ombros sustentam a lua”, a mais bela poesia visual do Rio-2023, o cartão-postal tão sofrido aos pés do Cristo.

 

Joaquim Ferreira dos Santos é jornalista, colunista do jornal O Globo e escritor, autor de livros como “Feliz 1958 – O ano que não devia acabar” e “Em busca do borogodó perdido”, e das biografias de Leila Diniz, Zózimo Barroso do Amaral e Antônio Maria.