Cronista visual das praias
MAURO VENTURA
Rogério Reis é um fotógrafo de rua. Na pandemia, sofreu muito com a reclusão forçada. Sem poder sair de casa, começou a fotografar com o celular objetos da casa, como sabonetes. A partir de um certo momento, passou a sair de madrugada, às 5h, para se exercitar na orla vazia do Rio. Nessas andanças, começou a registrar os sacos de areia que servem tanto como contenção da água nos dias de ressaca como escada para subir e descer do calçadão até a praia. À medida que a cidade voltava a ser frequentada, fotografou guarda-sóis, equipamentos esportivos, descartes, caixas de isopor e demais peças que fazem parte da paisagem da região. E também voltou as lentes para os frequentadores do espaço: vendedores ambulantes, catadores de latinha, banhistas, turistas e até cachorros. Mas com uma abordagem diferente. Rogério não se fixa no óbvio. Ele revela aspectos menos visíveis do cenário urbano.
– As fotos de praia em geral mostram a paisagem, as montanhas, o pôr do sol, a areia cheia de guarda-sóis. É uma visão muito açucarada e contemplativa. Já eu busco ressignificar o que aparenta ser banal e pouco explorado pela vasta crônica visual das praias da Zona Sul da cidade.
Essa produção estará à mostra em “O que se passa”, a mais recente exposição inédita de Rogério, inaugurada no dia 2 de dezembro no Paço Imperial. São mais de cem obras, entre imagens e filmes, divididas em seis séries, que oferecem o olhar de um fotógrafo nascido no Engenho de Dentro, na Zona Norte, e acostumado a interagir com o Rio de Janeiro ao longo de seus 69 anos e 46 de profissão.
– O Brasil tem tradição de fotógrafos viajantes. Não é meu caso. A melhor pauta para mim é a minha própria cidade – diz ele, que convidou Paula Terra-Neale para ser a curadora após ver a exposição que ela organizou da artista Monica Mansur, “Do contorno das sombras”, também no Paço.
Paula observa:
– Nessa crônica social fotográfica, Rogério parece investir no propósito de trazer a periferia para o centro, de tornar permanente o que é da ordem do precário e do passageiro, de privilegiar o popular ao erudito, com uma abordagem fotográfica decididamente não elitista, direta, aberta, dialógica, informal, pessoal. Uma abordagem carioca em essência.
Em suas saídas diárias, Rogério caminha pelo calçadão e pela areia, e nada no mar. Morador do Posto 6, na Zona Sul, ele foca suas lentes para Arpoador, Ipanema e Copacabana. Rogério tem tradição de fotografar as praias da Zona Sul. Em 2019, fez um ensaio fotográfico para o livro “Leblon”, sobre o bairro, organizado por Augusto Ivan de Freitas Pinheiro e Eliane Canedo de Freitas Pinheiro. Em 2015, já havia lançado o livro “Ninguém é de ninguém”, com fotos feitas nas praias que retratam todas as classes sociais. Nas imagens, os personagens aparecem com bolas coloridas rapando os rostos, já que foram feitas sem permissão.
– Queria que não percebessem, para formar conjunto de imagens bem espontânea – explica ele.
Por vezes, quando identificado, sofria algumas repreensões e pressões.
– Tinha gente que falava: “Vou chamar o meu advogado, quero cachê, direito de imagem, vou te processar.”
Para fotografar na praia com liberdade ele recorre a um lema do artista Bansky: “É mais fácil pedir perdão do que permissão.” Mas tem uma época do ano em que não fotografa mais as praias: maio. É o mês em que a prefeitura do rio renova a licença das barracas. Antes, quando fotografava, era confundido com um fiscal do município, o que causava problemas.
Rogério comenta com bom humor como o senso comum vê seu trabalho, dependendo do trecho da orla em que está:
– Em Copacabana, me veem como fotógrafo. Até porque há muitos fotógrafos na praia. Muita gente, por exemplo, comemora aniversário de criança lá. E há profissionais que estão ali para vender fotos. Eles fotografam você e depois põem no Instagram para você comprar. Já em Ipanema, sou artista. Querem saber qual o motivo das fotos, se é para um livro. E no Leblon sou visto como paparazzo, já que há muitas celebridades no bairro.
Ele até pode ser paparazzo, mas dos anônimos. A exposição de Rogério Reis, que tem uma página dedicada ao seu trabalho no site Testemunha Ocular, fica em cartaz no Paço Imperial até dia 24 de março de 2024.