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Notícias

Brumadinho, cinco anos

MAURO VENTURA

Eram 12h28 do dia 25 de janeiro de 2019 quando tinha início uma das maiores tragédias humanitárias do Brasil, com 272 mortos e a contaminação de mais de 300 quilômetros do Rio Paraopeba, afetando a vida de 26 cidades mineiras.

Na hora em que ouviram falar sobre o rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), os fotojornalistas Victor Moriyama e Isis Medeiros se dirigiram para lá, ainda sem ter noção do tamanho do desastre. Os dois estavam entre os primeiros fotógrafos a chegar ao local da tragédia, que está completando cinco anos.

– Foi a experiência mais difícil da minha vida em termos de cobertura jornalística – diz o paulistano Moriyama. – Muita tristeza, muita gente morta, um impacto muito grande na vida das pessoas, um luto coletivo.  Foi muito complicado ver o desespero das pessoas, os parentes tirando os escombros tentando encontrar alguém, as dramáticas buscas feitas pelos bombeiros por desaparecidos.

Ele acompanhou bem de perto o desastre. Passou os primeiros quatro dias lá, depois retornou a São Paulo e voltou uma semana depois, para continuar o trabalho. A mineira Isis, nascida em Ponte Nova, também chegou logo à região, três horas depois do rompimento da barragem da Vale. Estava almoçando, mas largou o prato e foi direto para lá. As notícias sobre os primeiros resgates vieram à noite. Não havia energia elétrica. Ela só conseguia fazer fotos por causa das luzes dos celulares que filmavam os bombeiros anunciando a lista dos sobreviventes.

Moriyama e Isis, que têm páginas dedicadas ao seu trabalho no site Testemunha Ocular, do Instituto Moreira Salles, costumam cobrir questões ambientais e as consequências da atividade de mineração. Os dois já haviam acompanhado em 2015 outra tragédia, o rompimento da barragem de Fundão, da mineradora Samarco, em que mais de 60 milhões de metros cúbicos de rejeitos foram lançados na bacia do rio Doce. A enxurrada de lama devastou o distrito de Bento Rodrigues e chegou a até a atingir Linhares, no Espírito Santo. O rompimento causou 19 mortes e problemas ambientais incalculáveis.

Moriyama compara a cobertura dos dois desastres.

– Mariana foi muito duro também, mas a diferença é que, no caso de Brumadinho, além do grande dano ambiental, teve o impacto imediato e direto na vida das pessoas. O contato com a morte foi bem trágico de lidar.

Isis diz:

– Já ter visto essa cena de perto (em Mariana) não alivia em nada. Doeu dobrado.

Nos dois casos, ela fez questão de focar no lado humano. Para isso, buscou se aproximar das pessoas, algo comum em seu trabalho. Em vez de fotos abertas, aéreas, de grande escala, que mostram a área atingida, ela quer a proximidade, o “olho no olho”.

Em entrevista ao Jornal da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ela explicou:

– Eu trago essa perspectiva humana, de como as pessoas estão dentro dessa situação, como elas estão enfrentando. Porque ver aquilo de cima é uma coisa, agora você pisar ali é completamente diferente. Infelizmente muita gente cobriu o assunto de dentro de um escritório com ar condicionado. Quem pisou de fato naquela lama, conversou com as pessoas e se aproximou daquilo tudo nunca mais vai ser a mesma. A gente volta muito diferente daquele lugar. Você passa a repensar tudo na vida. Você vê as pessoas questionando sobre não ter o corpo da própria irmã para enterrar, do próprio filho.

Ela conta que inicialmente as famílias falavam que tudo que queriam era saber notícias dos seus parentes, do seus filhos. Após alguns dias, sem notícias, passavam a querer encontrar o corpo. Não encontrando, ficavam torcendo por uma ligação que informasse que o corpo havia sido encontrado. Até que a pessoa começava a andar na rua de sua cidade procurando o filho como se fosse achá-lo.

Cinco anos depois, três vítimas ainda não fora encontradas. Ela saiu modificada da cobertura, como contou à revista “Sagarana”:

– Tudo que essas famílias desejavam era sentir um pouco de paz, de poder se despedir. E, mesmo quando conseguem enterrar o filho, ainda assim não encontram paz. Não tem palavras suficientes para descrever. Eu acho que quando você se envolve em um nível profundo assim não tem como voltar atrás, aquilo vira uma espécie de referência e de marco de vida – do que é viver, do que é a morte, do que é passar por todos esses processos. Isso mesmo não sendo uma vítima.

Em 2020, Isis lançou o livro “15:30”, que retrata ao longo de cinco anos os desdobramentos do rompimento da barragem em Mariana. O título faz referência ao horário em que rompeu a barragem da Samarco. E ela está em cartaz em São Paulo na coletiva “Paisagens MINERADAS”. A exposição, com curadoria de Isadora Canela, reúne obras de dez artistas visuais que denunciam a destruição provocada pela mineração. Como ela disse à revista “Sagarana”:

– O que eu trago nas fotos são todas as histórias que eu tenho ouvido, todas as angústias que as pessoas têm me contado. É um trabalho que usa a imagem como forma de luta.

Ao G1, ela contou que as fotos são um “grito de alerta”:

– Essas imagens são um grito por todas as pessoas que já foram impactadas por barragens nesse país. Elas são as sirenes que nunca foram acionada pela empresa (a Vale).

A destruição provocada pelo rompimento da Barragem da Vale em Brumadinho. Minas Gerais, 2019. Foto de Victor Moriyama/Bloomberg
Corpo de Bombeiros faz buscas após rompimento de barragem na Mina do Córrego do Feijão. Brumadinho, MG, 2019. Foto de Isis Medeiros/Folhapress
Moradores e bombeiros trabalham na procura e no resgate de sobreviventes da tragédia de Brumadinho. 2019. Foto de Victor Moriyama/Bloomberg
Alunos da escola municipal de Brumadinho lamentam as mortes ocorridas no desastre ambiental no primeiro dia de aula. 2019. Duas alunas morreram, além de parentes dos estudantes. Foto de Victor Moriyama/Arquivo pessoal
Sala de Segurança e Operações da Vale após rompimento de barragem na Mina do Córrego do Feijão. Brumadinho, MG, 2019. Foto de Isis Medeiros/Folha de S.Paulo
Crucifixo da sala de Segurança e Operações da Vale após rompimento de barragem na Mina do Córrego do Feijão. Brumadinho, MG, 2019. Foto de Isis Medeiros/Folha de S.Paulo
Brigadistas e bombeiros descansam após um dia exaustivo na busca de corpos em Brumadinho. 2019. Foto de Victor Moriyama/Bloomberg