O Comício da Central
EQUIPE TESTEMUNHA OCULAR
Nos 60 anos do golpe militar de 1964, o site Testemunha Ocular traz um especial de cinco reportagens sobre o tema.
Esta primeira matéria da série fala sobre o comício do presidente João Goulart na Central do Brasil, no dia 13 de março, que ajudou a ampliar o desgaste de Jango junto à sociedade civil.
A segunda matéria trata da Revolta dos Marinheiros, de 25 a 27 de março, um dos estopins do golpe.
A terceira matéria fala da anistia concedida por João Goulart aos marinheiros revoltosos, o que desagradou a cúpula das Forças Armadas.
A quarta matéria trata da punição aos militares revoltosos.
E, por fim, a quinta matéria trata do golpe de 64 e dos dias seguintes.
No dia 13 de março de 1964, o presidente João Goulart (PTB) subiu ao palanque em frente à Central do Brasil, no Rio, e fez um discurso que entrou para a história. Havia entre 150 mil e 300 mil pessoas, segundo as estimativas.
O evento ficou conhecido como o Comício da Central ou o Comício das Reformas. Isso porque Jango defendeu as reformas de base. Durante sua fala de 65 minutos, iniciada antes das 21h, ele falou das reformas agrária, administrativa, universitária, bancária, eleitoral e fiscal. Defendeu o direito de voto para analfabetos, cabos e soldados e anunciou a encampação de refinarias privadas de petróleo e a desapropriação de todas as terras de mais de cem hectares localizadas em uma faixa de dez quilômetros à margem de ferrovias e rodovias federais.
Jango se dirigiu “a todos os brasileiros, não apenas aos que conseguiram adquirir instrução nas escolas, mas também aos milhões de irmãos nossos que dão ao Brasil mais do que recebem, que pagam em sofrimento, em miséria, em privações, o direito de ser brasileiro e de trabalhar sol a sol para a grandeza deste país”. Ele pregou para o Brasil: “Progresso com justiça, desenvolvimento com igualdade”. Também disse: “A reforma agrária não é capricho de um governo ou programa de um partido. É produto da inadiável necessidade de todos os povos do mundo. Aqui no Brasil, constitui a legenda mais viva da reinvindicação do nosso povo, sobretudo daqueles que lutaram no campo.”
A plateia, formada principalmente por sindicalistas, trabalhadores rurais, representantes de partidos políticos, estudantes, servidores públicos, soldados e sargentos, escutou também discursos do deputado federal Leonel Brizola, do governador de Pernambuco, Miguel Arraes, e do secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro (PCB), Luiz Carlos Prestes.
O comício foi organizado pelo Comando Geral dos Trabalhadores (CGT). Havia faixas de apoiadores com dizeres como “Jango, defenderemos as suas reformas à bala”, “Cunhado não é parente, Brizola presidente” e “PCB: teus direitos são sagrados”. A foto no alto desta matéria mostra a multidão reunida diante do palanque.
As reformas propostas por Jango vinham sendo impedidas pelo Congresso. O comício seria uma forma de demonstrar força e pressionar os parlamentares. O ato na Central seria o primeiro de uma série. Mas foi o único a acontecer.
A realização do evento em frente ao Palácio Duque de Caxias, que era a sede do Ministério da Guerra, soou como provocação. Antes do comício, havia ameaças de atentado: cartas anônimas diziam que poderiam ser disparados tiros a partir do prédio da Central do Brasil ou que bombas iriam explodir o palanque. A primeira-dama, Maria Thereza Goulart, estava apreensiva, temendo pelo pior. Não houve atentado, mas o discurso forte de Jango iria repercutir mal junto aos setores mais conservadores da sociedade.
Que não demoraram a reagir. Seis dias depois, a 19 de março, Dia de São José, o “padroeiro das famílias”, segundo a Igreja Católica, aconteceria uma espécie de resposta ao comício: a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, em São Paulo. As manifestantes protestavam contra o governo João Goulart e suas reformas de base e contra o que chamavam de “perigo comunista”. Nas faixas e cartazes haviam frases como “Verde amarelo, sem foice nem martelo” e “O Brasil não será uma nova Cuba”.
Outras manifestações aconteceriam pelo país, enquanto dois partidos, UDN e PSD, iniciariam campanha pelo impeachment do presidente. Era o começo do fim. Até o encerramento do mês, Jango enfrentaria uma oposição cada vez maior e seria deposto pelo golpe que instalaria uma ditadura de 21 anos no país.