O drama yanomami
MAURO VENTURA
Era fim de janeiro de 2023 quando o fotógrafo Raphael Alves se deslocou para Roraima com o objetivo de retratar a crise humanitária dos yanomami. A viagem resultou em imagens impactantes de resgate de indígenas doentes, de criança desnutrida, de garimpo ilegal. O ensaio “A queda do céu”, com oito fotos, ganhou menção honrosa na categoria Documentário do prêmio Sony Awards Photography e está em cartaz na exposição mundial do evento na galeria Somerset House, em Londres, na Inglaterra.
Raphael, que nasceu em Manaus, passou cerca de duas semanas em Roraima pela agência EFE. Como não pôde ter acesso à Terra Indígena, onde ficam as aldeias, teve que optar por caminhos alternativos. Na capital do estado, Boa Vista, acompanhou o resgate na Casa de Saúde Indígena, com a chegada de yanomami em péssimas condições de saúde.
– Muitos estavam com uma debilidade física assustadora – diz ele, que tem uma página dedicada a seu trabalho no site Testemunha Ocular. – Você vê uma pessoa como você, um ser humano, que está saindo da sua terra em péssimas condições de nutrição, doente, com problemas como malária e hepatite, sem conseguir se sustentar sozinha. Vi senhoras, jovens, bebês, gente de todas as idades.
Ele se diz especialmente marcado por uma das primeiras fotos que fez, a que mostra uma senhora que chegou acompanhada de um enfermeiro. Ele ia colocá-la no chão, mas ela não não conseguiu se manter em pé e o enfermeiro teve que pegá-la no colo.
O título do ensaio faz referência ao livro “A queda do céu”, de Davi Kopenawa em parceria com o antropólogo francês Bruce Albert. “Davi Kopenawa vem nos alertando sobre ‘a queda do céu’. O que ele disse, sobre a sabedoria dos povos que não são da floresta nada poder fazer diante das consequências de destruí-la, já está acontecendo”, disse Raphael à repórter Nicoly Ambrosio do site Amazônia Real.
Raphael também sobrevoou o território, numa missão da Força Aérea Brasileira (FAB), e fotografou de cima a entrega de mantimentos às aldeias, como se vê na foto do alto desta reportagem. Constatou da mesma forma a devastação e a contaminação dos rios. O fotógrafo igualmente seguiu as rotas de trânsito de saída dos garimpeiros ilegais, em uma área erma do município de Alto Alegre.
– Era a operação de desintrusão – diz. – Fui atrás dos garimpeiros em Alto Alegre. Consegui entrar numa rota deles, conversamos, conheci uma pessoa que era ligada ao garimpo e que mostrou ouro que recebeu como pagamento. E ali, por um daqueles portos, consegui fazer o material dos garimpeiros que estavam deixando a terra indígena. Alguns pagavam motoristas que os levavam (até a rodovia), após chegarem de barco. Mas muitos deles tiveram que ir caminhando por dias dentro do mato.
Raphael escutou o ponto de vista deles também.
– Alguns falavam: “Nasci no garimpo, fui garimpeiro a vida toda, não sei ler, não sei escrever direito. O que vou fazer agora da vida? Vou morar na rua?” De fato, a capital, Boa Vista, já está com problemas sérios por conta de receber tantos imigrantes venezuelanos em dificuldades.
Mas o drama dos yanomami foi o que mais impactou Raphael, como ele contou à jornalista Nicoly Ambrosio: “É algo sobre o qual a gente lê, ouve e vê, mas ainda assim não encontra palavras para explicar. É doloroso ver que a ganância do ser humano passa por cima de culturas, da história e sobretudo de vidas.”
Raphael se diz “revoltado” com os estragos que o garimpo ilegal tem provocado nos povos indígenas.
– E o que ele precisam? Apenas da natureza. Eles sempre viveram ali em comunhão com tudo aquilo. E, de repente, essa ação predatória do garimpo foi chegando cada vez mais perto, destruindo as águas e as terras deles, gerando conflitos, trazendo a violência.