Evandro Teixeira, o rei do fotojornalismo
MAURO VENTURA
“Rei do fotojornalismo”. Era como Sérgio Moraes classificava Evandro Teixeira. Assim como Moraes, outros fotógrafos que fazem parte do site Testemunha Ocular lamentam a morte de Evandro, ocorrida neste dia 4 de novembro de 2024, mas celebram uma trajetória e uma vida marcadas pelo talento, pela coragem, pela ousadia, pelo jogo de cintura, pela versatilidade, pelo senso de oportunidade e pela sorte.
A seguir, imagens feitas por Evandro durante sua carreira e alguns testemunhos de colegas e profissionais que trabalharam com Vanvan, como ele era carinhosamente chamado pelos amigos.
Sérgio Moraes, ex-chefe de fotografia da agência Reuters no Brasil:
“Evandro Teixeira, ou simplesmente nosso Vanvan, é o maior fotojornalista do Brasil. O fotojornalismo do Brasil nasceu com Evandro, e Vanvan nasceu fotojornalista. Sem dúvida os dois são uma mesma entidade. A primeira vez que eu vi Evandro ele estava com uma câmera na mão. Foi em 1968 e eu tinha apenas seis anos, mas lembro como se fosse ontem. Meu pai trabalhava com ele no JB, e eu e minha mãe fomos buscar o velho no jornal, que ficava na Avenida Rio Branco. Enquanto esperávamos no nosso fusquinha, do nada aparece Evandro fotografando alguma coisa. Rapidamente viu minha mãe e veio falar com a gente. Quando cheguei ao JB, nos anos 1980, eu tinha essa imagem fixa na minha cabeça e a certeza de que eu era privilegiado por fazer parte da mesma equipe de um cara que é o maior nome da minha profissão.
Evandro gostava tanto do que fazia que para ele cobrir o golpe no Chile e uma manifestação na Cinelândia era a mesma coisa, sua vontade e sua inspiração eram as mesmas. E isso servia para tudo. Fazia um editorial de moda para o jornal com o mesmo prazer com que viajava para cobrir as coleções de moda de Paris. Cobria um jogo do América contra o Bangu (sim, nos anos 1960 e 1970 existia esse jogo no Maracanã) com a mesma alegria que uma Copa do Mundo.
Eu quero aproveitar esse momento para pedir aos jovens que querem ser fotojornalistas que estudem Evandro Teixeira. Não conhecer sua história e suas fotos é o mesmo que não conhecer a profissão. Deixo meus sentimentos para toda família, e em especial para as queridas Carina e Adryana.”
Márcia Folleto, fotojornalista do Globo:
“A partida de Evandro é uma perda imensurável para o fotojornalismo brasileiro. O fotógrafo como testemunha da história teve em Evandro sua expressão máxima. Ele capturou momentos cruciais da repressão que nos ajudam a entender e lembrar sempre dos anos de ditadura. Suas fotografias são parte viva desta história. Posso dizer que foi um privilégio ter convivido com o Evandro fotógrafo do Jornal do Brasil. Ele já era um ídolo pra mim, e vê-lo ali, em ação, sempre incansável na missão de buscar uma boa fotografia, foi uma inspiração. Mas também foi um prazer ter convivido com o Evandro mestre e amigo. Na série ‘Instantes cruzados’ tive o desafio de fazer uma releitura de uma fotografia feita por ele em 1968. Achando que não seria capaz, veio dele a generosidade de me incentivar e dar força. O trabalho de Evandro está na memória coletiva do país e ele será referência para muitas gerações.”
Flávio Pinheiro, jornalista, idealizador e criador do site Testemunha Ocular:
“Anos, décadas, com uma inseparável câmera a tiracolo e uma sacola pesada no ombro. Esse era Evandro Teixeira, vestido o tempo todo para entrar em ação. Nas ruas, em gabinetes, palácios, campos de futebol, passarelas do samba, áridos grotões do país, clicando famosos e anônimos. Flagrando momentos, uma infinidade de momentos. Percorreu todo o espectro possível da imagem da notícia. Aqui e fora do país. testemunhou ditaduras horrendas, carnavais, violências várias, praias, vida mundana, personalidades de todos os calibres, gente na rua, o povo brasileiro batalhando pela vida possível no país. Desconcertou autoridades com humor, picardia e atrevimento. Enfrentou, destemido, interdições, às vezes brutais, ao seu trabalho. Desafiava perigos na instintiva procura de gestos, de ângulos, de imagens oportunas. Era um olho atento, preciso, sagaz, malandro, quase onipresente forjado na Bahia onde nasceu. Dizia que contava com a sorte, mas a sorte é que o escolheu. Na redação de jornal, sua segunda casa, era uma referência para todos e sinônimo do mais elevado fotojornalismo que se pode praticar. Um mestre consumado do registro fugaz. Tinha o vício do instante.
Há milhares de imagens de Evandro, colhidas em mais de 60 anos de atividade, no acervo do Instituto Moreira Salles, e 50 delas estão selecionadas no site Testemunha Ocular, que nasceu com suas bênçãos e que eu tive o privilégio de ajudar a construir com o entusiasmado e competente apoio da equipe de Fotografia do IMS. Evandro deixa um portentoso e imprescindível legado.”
Marcelo Carnaval foi editor assistente de Fotografia do Globo entre 2017 e 2019:
“- Fala Vanvan!
-Fala garoto!
Essa saudação vai me deixar com muita saudade. Conheci Evandro em 1985 quando comecei com 23 anos no Jornal do Brasil, um garoto. Ele já era ‘O Evandro Teixeira’, fotojornalista consagrado e minha principal referência na profissão. Um sujeito super carismático, que tratava bem a todos. Ao longo das três décadas seguintes, concorremos, ele pelo JB e eu pelo O Globo, nos mais diversos tipos de coberturas, nacionais e internacionais. Evandro era único. Fotojornalistas, de um modo geral, tentam ser discretos, quase imperceptíveis, procurando o melhor ângulo para se cobrir um evento, Vanvan era o oposto disso. Dava calafrios nos fotógrafos posicionados para cobrir um evento. ‘Putz, lá vem o Evandro.’ Para mim lembrava muito o Renato Aragão. Era um trapalhão. Barulhento, estabanado, falando alto e carregando uma escada.
Essa última um apetrecho que descobrimos juntos em uma viagem do então príncipe Charles com a princesa Diana pelo país com o intuito de vender um jato inglês para substituir os Electra que faziam a ponte-aérea entre Rio e São Paulo. Não entendemos quando vieram os fotógrafos ingleses, cada um com sua escada. Tudo era organizado e as fotos posadas. Eles chegavam e subiam nas escadas. Só entendemos quando apareceu a realeza. Um grupo de seguranças se postava na frente dos fotógrafos e poderia impossibilitar a foto. Nada que pudesse incomodar Evandro, especialista em mandar o fotografado repetir apertos de mãos, comemorações de gols e até em chorar novamente em velórios. Gritava em português para qualquer estrangeiro e se sabia fazer entender. Do presidente até o atual rei da Inglaterra todos achavam graça e repetiam os gestos na direção de suas lentes. Ao final da viagem, Evandro comprou a escada de um dos fotógrafos e a somou a seu equipamento diário em coberturas.
O tempo parecia não fazer diferença na sua disposição de fotografar, mas o avanço da tecnologia sim. Enquanto era incomparável atrás da máquina, na frente do computador era um foca (termo utilizado para jornalistas iniciantes) muito enrolado. Sentado ao meu lado na cobertura da Copa do Mundo pedia para transmitir as fotos para ele no intervalo. ‘Espera em mandar as minhas primeiro, depois te ajudo.’ Sempre foi assim. Trocamos experiência e nos ajudamos ao longo desse tempo. Meu amigo vai fazer muita falta.”
Princesa Diana visita a Febem em São Paulo. 24/4/1991.
Custodio Coimbra, fotojornalista do Globo:
“Conheci o Evandro Teixeira em 1984 quando entrei no JB, mas foi a partir de 1989, quando fui para O Globo, que passei a conviver com ele nas ruas. Aprendi com o Evandro a simplicidade do saber ‘chegar’ nos lugares mais díspares. Era mestre nisso. Sentava-se no chão no morro da mesma forma como chamava Fernando Henrique Cardoso, que se virava reconhecendo sua voz. Aprendi com ele a sorrir depois de uma foto boa. Por 40 anos fomos cúmplices nas grandes e pequenas coberturas. E não foram poucas. Ele nunca perdeu a liberdade do prazer de fotografar. Em épocas dos ‘furos’, ele dava os seus, e como dava, mas sempre foi solidário. Sabia que juntos seria mais fácil. Eu ficava de olho nele. O negócio era ficar colado no Evandro. Hoje me despeço desse ser iluminado que com sua determinação e arte nos deixou uns dos maiores acervos fotográficos da história.”
Hélio Campos Mello, ex-diretor de Fotografia da Agência Estado:
“Morreu o mestre. Evandro Teixeira se foi aos 88 anos mas sua obra está viva e é imortal, prova eloquente da importância histórica e estética do fotojornalismo. De Pinochet a Pelé, de Neruda a Ayrton Senna, registrou, com sua maestria, ditaduras e copas do mundo. Sua excelência era o fruto de competência e caráter. Ele sabia que uma não pode andar sem a outra. Pelo menos não deve. É um orgulho tê-lo conhecido.”
Jorge Araújo, ganhador do prêmio Esso de Fotografia de 1979:
“O Brasil perdeu hoje um de seus maiores fotojornalistas, que contou e escreveu com luz a história desse país, desde a ditadura militar. Trabalhei 40 anos ao lado de Evandro, cobrindo matérias no exterior, Copas do Mundo, posses de presidente, Diretas-Já. Em tudo que estava acontecendo no Brasil e no mundo Evandro estava lá, incansável como um menino. Não importava a idade, Evandro tinha um olhar que realmente extraía de uma grande cobertura uma foto – a foto com a marca Evandro Teixeira. Eu menino ainda, sou de uma geração pós-Evandro, me espelhava nele em outros grandes fotojornalistas. Mas Evandro foi uma pessoa que era inspiração para todos aqueles jovens que, trabalhando durante a ditadura, tentando driblar suas mazelas, onde que você tinha que entregar os filmes para a polícia nas grandes manifestações, e Evandro estava ali nos ensinando. Foi um professor para mim, eu me espelhei muito nele. Perdemos, mas fica a obra desse grande olhar de Evandro Teixeira.”
Rogério Reis, um dos criadores, com Claus Meyer e Ricardo Azoury, da Tyba, acervo de fotos especializado na cena brasileira:
“Querido Evandro, a saudade já é imensa.
Diante de tantas merecidas homenagens a você e ao seu brilhante legado, voltei no tempo. Quando me apresentei na redação do JB, em 1977, fiquei encantado ao ver que os nove andares daquele solene prédio eram decorados com suas fotos e de outros companheiros de equipe… Eu estava no lugar certo!! Como estagiário, não podia sair sozinho, e tive a sorte de ser escalado para acompanhar você no meu primeiro treino. Era uma pauta de rua no bairro de Ipanema. Para minha surpresa, sua abordagem informal e descontraída junto a pessoas desconhecidas me fez refletir sobre os meus quatro anos de faculdade de comunicação. Assim fui entendendo a importância da conexão com as pessoas no resultado do nosso trabalho. Obrigado pela nossa amizade de 47 anos e não se esqueça do nosso abraço ao Dom Mauro Morelli.”
Luiz Morier, que trabalhou 25 anos no JB ao lado de Evandro:
“Vanvan, como sempre o chamei, me chamava de Mumu. Era sempre com carinho e respeito que convivemos durante muitos anos, décadas de encontros diários no trabalho. Sempre o admirei como fotógrafo e companheiro. É com muita tristeza que me despeço desse admirável ser que sempre vi trabalhando com vontade, como um estagiário querendo ir para rua. Sempre fui seu fã! Agora rezo a Deus para que ele descanse em paz! Grande Evandro Teixeira, o Vanvan.”