Evandro Teixeira por Walter Firmo
WALTER FIRMO
CINZAS, NADA MAIS
Contemporâneos, concorrentes, mas, acima de tudo, uma fiel conduta sem algum deslize que pontificasse atitudes hostis, de parte a parte, aquelas que não se olha nos olhos, mas degustem baba de ira, sem os simples augúrios de um saudável bom dia, ou ainda perenes demonstrações onde o afetivo não tivesse lugar. Nada disso.
Eu e Evandro Teixeira nos conhecemos durante a transformação do inesquecível matutino Jornal do Brasil, que passava por uma revolução gráfica eminentemente moderna, onde o aparato fotográfico seria conduzido por uma equipe jovem liberta na criatividade endereçada a uma plateia ávida por outras posturas. Onde o ver se somasse a contemplações. Quer políticas ou visionárias.
O placar do tempo anunciava o ano de 1960. O Brasil passava por transformações na música e na política, mudando sua capital do Rio de Janeiro para Brasília – o Planalto Central -, anunciando que tinha chegado a hora de o país abrir novas estradas e fronteiras.
Eu fui o primeiro a ser contratado, em dezembro de 1959, com apenas 22 anos. Evandro chegou um pouco mais tarde, em 1963, oriundo do Diário da Noite. Lépido, cheio de história, atraente e sumamente simpático no trato com as pessoas. Guapo e solteiríssimo, seu sorriso valia ouro!
Além do mais, no time em que jogávamos éramos contumazes atacantes, enfiados nos acontecimentos diários, retratando as histórias reais ou vinculadas a um desejo. Eu, mais sonhador, ele fazendo os gols de forma direta e insofismável. Rompendo proibições, estimulado na ansiedade de um manifesto na envergadura por uma verdade verdadeira. No fim de cada mês, mediante um concurso interno do departamento fotográfico, ele se ostentava vencedor; de outra feita, era eu o laureado na façanha de uma nova construção dialética batalhando no silêncio a tal síntese do grito, capitalizando os louros vitoriosos.
Nesta conjugação distinta, éramos felizes e sabíamos. Mas nossa amizade em nenhum momento foi mordida pela pretensão destrutiva, originada no ciúme ou em outros infortúnios aparentes movidos por desamparos infantis. Hoje acho que havia no ar entre nós um acordo tácito de cavalheiros, como no jogo de tênis. No fim da partida, o vencido e o vencedor se cumprimentam amistosamente num aperto de mãos, e bola pra frente, que atrás poderá vir gente invejosa.
Saí do JB por volta de 1964, convidado pela editora Abril para compor o projeto de uma nova revista, a insofismável e inesquecível Realidade, que seria lançada em 1966, seguindo minha vida. Ele realizou-se, tornando-se um dos principais repórteres fotográfico do país, trabalhando quase toda sua existência no JB, até o diário deixar de circular nas bancas da cidade.
Mas escrevo esta pequeníssima crônica exaltando este notável personagem, de fino trato, um cavalheiro no sentido amplo da palavra, prendado nas boas atitudes, um nobre resgatado de Irajuba, povoado baiano onde nasceu. Curiosamente tivemos um mesmo professor à distancia, ele em Salvador e eu no Rio de Janeiro. Foi por volta de 1957, quando líamos as crônicas de ensino fotográfico publicadas mensalmente na revista A Cigarra, editada pelo grupo de Assis Chateaubriand, o mesmo dono que publicava a revista semanal de grande sucesso editorial, O Cruzeiro.
Quis o destino que, um tempo depois, num desfile carnavalesco da inimitável Banda de Ipanema, em 1965, Evandro nos fotografasse abraçados, eu fantasiado de mulher grávida, saindo na ala das Escrotas, ao lado do nosso teacher, o grande José Medeiros (como se vê na foto abaixo). O do Piauí, pai de muita gente daquela geração.
Ficamos muitos anos sem nos ver. Apenas por telefone tirávamos uma casquinha. E foi numa ligação que ele fez a feliz pergunta de como eu tinha negociado, em 2018, a venda do meu arquivo em regime de comodato para o Instituto Moreira Salles, a linda aventurança agora urdida na América do Sul, controladora por méritos e equipada modernamente na proteção de fotógrafos que pontuaram a história de suas aldeias. E, por méritos de sua bagagem e envergadura supimpa e inquestionável, ele se tornou também em 2019 um dos adotados pelo IMS, sob a curadoria de Sergio Burgi, sempre presente na escolha “do que tem de melhor” o provável pupilo.
Ando entristecido agora sabendo de sua morte. Estávamos fazendo um documental cinematográfico junto aos colegas Sebastião Marinho e Ricardo Beliel, companheiros desse incrível mundo de cenas, imagens que certamente dignificaram nossa razão de viver.
Nem retrato na parede ficou. Havia, isto sim, algumas pedras no caminho em Paraty, durante a última vez em que o vi, de raspão, cambaleante na dificuldade de se equilibrar, andando com certa dificuldade na calda do astro Sebastião Salgado – que, por sinal, tangido pela amizade de longa data entre os dois Evandro obteve o doce sim do vitorioso morador em Paris de comparecer e ser homenageado durante o famoso encontro Paraty em Foco.
Triste, muito triste. E pensar que no último encontro em sua casa no Baixo Gávea esqueci de levar seu brilhante livro editado pelo Instituto Moreira Salles, já que gostaria de obter um autógrafo seu. Manifestei também meu desejo de fotografá-lo na sua cidade natal Irajuba quando fosse por lá.
A vida é uma só. Agora tudo são cinzas.
Triste aqui.