Sem crédito
MAURO VENTURA
Em 1973, a foto de uma menina vietnamita fugindo após a explosão de uma bomba de napalm lançada pelas tropas sul-vietnamitas, apoiadas pelos Estados Unidos, rendeu ao fotógrafo Nick Ut, da agência Associated Press (AP), o prêmio máximo da World Press Photo. Pois 52 anos depois acontece a reviravolta: a maior premiação de fotojornalismo do mundo decidiu suspender oficialmente a atribuição a Ut.
A decisão ocorre após três investigações botarem a autoria de Ut em questão. A primeira dúvida foi levantada pelo documentário “The stringer”, dirigido por Bao Nguyen e exibido no Festival de Sundance em janeiro. O filme, baseado em análises feitas pelo grupo de pesquisa INDEX, sediado em Paris, aponta Nguyễn Thành Nghệ, um motorista vietnamita da NBC, como o verdadeiro autor. Ele teria vendido suas fotos para a AP como freelancer, ou “stringer”, conforme noticiou o Testemunha Ocular na reportagem “Guerra de versões”.
Por sua vez, a AP, que conduziu sua própria investigação interna, informou: “Constatamos que é impossível demonstrar exatamente o que aconteceu naquele dia, na estrada ou no escritório, há mais de 50 anos.” Para a agência, como não há prova definitiva de que Nick Ut não tenha tirado a imagem, a atribuição da autoria a ele deve ser mantida.
Já a World Press Photo, que também fez sua própria averiguação, concluiu que o nível de dúvida é significativo demais para manter a atribuição existente. Em seu relatório, ela cita inclusive um terceiro fotógrafo, além de Ut e Nghê. “As evidências disponíveis apontam para uma forte possibilidade de que Nguyễn Thành Nghệ a tenha tirado, mas também levantam a possibilidade de que Huỳnh Công Phúc pudesse estar em melhor posição para tirar a foto”, disse Joumana El Zein Khoury, diretora executiva do concurso. Mas, na ausência de evidências conclusivas que apontem para Nghê e Phúc, ela também resolveu não dar o crédito a eles.
Joumana explicou que a suspensão permanecerá em vigor, a menos que novas evidências possam confirmar ou refutar claramente a autoria original. Ela disse por que o prêmio decidiu tomar esta posição, passado tanto tempo do fato: “Em uma era marcada por desinformação, polarização, manipulação da mídia e erosão da confiança pública, reexaminar como abordamos a autoria, as evidências e a responsabilidade ética não é apenas relevante, mas essencial.”
Joumana frisa que, embora a autoria esteja em questão, “a fotografia em si permanece incontestável”, assim como o prêmio para a imagem, que se tornou uma das mais conhecidas da história: a menina Kim Phuc, de 9 anos, corre nua por uma estrada na vila de Trang Bang, chorando após tirar as roupas queimadas pelo napalm lançado por tropas sul-vietnamitas, apoiadas pelos Estados Unidos. A foto é um símbolo do horror da guerra do Vietnã – e por extensão de todas as guerras.
Intitulada “The terror of war” (“O terror da guerra”), mas conhecida também como “Garota Napalm”, a foto, tirada em 8 de junho de 1972, rendeu a Ut o reconhecimento mundial, além de um prêmio Pulitzer.
Em uma mensagem publicada no Facebook, Ut reiterou que a imagem era de sua autoria. “Eu tirei a foto de Kim Phuc, tirei as outras fotos daquele dia que mostravam a família dela e a devastação que a guerra causou. Ninguém mais tem o direito de afirmar que eu não tirei esta foto específica ou qualquer outra foto atribuída a mim, pois sou o criador de todo o meu trabalho desde o primeiro dia. Minha carreira se estende por mais de 50 anos. Embora eu esteja aposentado da AP, continuo a criar mensagens impactantes para o mundo ver.”
