Aterro do Flamengo, 60 anos
EQUIPE TESTEMUNHA OCULAR
No dia 17 de outubro de 1965, uma festa infantil marcava a inauguração do Aterro do Flamengo. Não houve palanques com autoridades, desfiles ou discursos. O evento contou com brincadeiras e show do palhaço Carequinha. Oficialmente, ele não foi inaugurado, porque o projeto original não chegou a ser totalmente finalizado, mas o encerramento da semana da criança daquele ano acabou se tornando a data informal de aniversário do Aterro.
Projetado entre 1954 e 1959, ele teve suas obras iniciadas em 1961. Os números são grandiosos. O Aterro ocupa cerca de 1,2 milhão de metros quadrados e tem sete quilômetros de extensão, cobrindo um trecho que vai do Centro à Praia de Botafogo, passando por bairros como Glória, Catete e Flamengo.
O maior parque urbano do Rio deve sua existência a Maria Carlota Costallat de Macedo Soares (1910-1967), conhecida como Lota. O projeto original previa apenas a construção de vias expressas para veículos ligando o Centro à Zona Sul da cidade. Lota, porém, convenceu o então governador do Estado da Guanabara, Carlos Lacerda, a fazer um parque muito maior e mais ambicioso, com um grande jardim no entorno das pistas. Seu objetivo era deter o avanço de projetos imobiliários sobre a área. Em entrevista à MultiRio, Empresa Municipal de Multimeios, a arquiteta e urbanista Ana Rosa de Oliveira diz que Lota entendia não se tratar “de criar um parque convencional, com fontes, bancos, bustos de celebridades e playgrounds. Em sua ideia de parque estava implícita a tarefa de contribuir para a melhoria da qualidade de vida, conter a ofensiva da especulação imobiliária e possibilitar a reconciliação dos cidadãos com a sua cidade”.
Aluna do pintor Cândido Portinari, a arquiteta e paisagista integrou um time de profissionais de áreas diversas, incluindo tráfego e infraestrutura. Lacerda criou o Grupo de Trabalho para Urbanização do Aterro, que contou ainda na equipe com nomes como o paisagista Roberto Burle Marx (1909-1994), o botânico Luiz Emygdio de Mello Filho (1913-2002) e os arquitetos Affonso Eduardo Reidy (1909-1964), Sérgio Wladimir Bernardes (1919-2002) e Jorge Machado Moreira (1904-1992).
Paisagista como Lota, Burle Marx semeou em toda a extensão do aterro espécies – trazidas também de fora do país – que tivessem florações em diferentes estações do ano. São mais de 11 mil árvores de 190 espécies nativas e exóticas. Só de palmeiras, são mais de quatro mil, de 50 variedades.
Já os postes, com 45 metros de altura, geraram polêmica. Deram muito trabalho para ser içados e dificultavam a troca das lâmpadas. O paisagista era contra, mas acabou cedendo. Na música “Paisagem útil”, Caetano Veloso chamou o poste alto de “frio palmeiral de cimento”. O projeto de iluminação era do designer americano Richard Kelly.
Com exceção do Monumento aos Pracinhas que lutaram na II Guerra Mundial – projeto de Marcos Konder Neto, Hélio Ribas Marinho e escultura de Alfredo Ceschiatti, inaugurado em 1960 – todas as demais obras na área do parque, inclusive a do Museu de Arte Moderna (MAM), saíram das pranchetas de Reidy.
O Aterro do Flamengo (ou Parque do Flamengo) reúne, na verdade, dois parques. O primeiro, Parque Brigadeiro Eduardo Gomes, abrange o intervalo entre o aeroporto Santos Dumont e o Monumento aos Pracinhas. E o segundo, Parque Carlos Lacerda, abrange o trecho que vai dali até a Praia de Botafogo. Na foto do alto desta página, vê-se uma panorâmica da época da construção da segunda parte do Parque, que foi destinado a atividades esportivas, recebendo quadras de futebol, tênis, vôlei e basquete, pistas de aeromodelismo e de modelismo naval. Destacam-se os campos de futebol no trecho inicial da Praia do Flamengo, criados por iniciativa de Raphael de Almeida Magalhães, colaborador de Lacerda. Todas as imagens pertencem à coleção dos Diários Associados, cujo acervo pertence ao Instituto Moreira Salles.

Para aterrar a Baía de Guanabara e construir o parque, foram usados entulhos e terras resultantes do desmonte do Morro de Santo Antônio, desmanchado a jatos d’água no fim da década de 1950. Aos poucos, o parque foi ganhando passarelas, para permitir a passagem dos pedestres por sobre as autopistas.

À Folha de S.Paulo, a historiadora Márcia Chuva, do departamento de História da Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro), falou sobre o Aterro: “É uma tentativa de o Rio não perder o lugar da grande cidade. Ele perde o caráter político (com a mudança da capital do país para Brasília, em 1960), mas tenta se manter sob outros aspectos. O Aterro representa à época uma cidade que está se redescobrindo, perdendo a capital e mantendo o moderno.”


Desde sua inauguração extraoficial, com uma festa infantil, o Aterro se firmou como um espaço aberto a todas as famílias, com muito espaço para as crianças se divertirem.


Águas limpas
O Aterro chega aos 60 anos levando multidões a suas atrações, que incluem feiras e diversas atividades esportivas. Há ali quadras de basquete, tênis e futebol, pista de skate, espaço para aeromodelismo, pistas de corrida e de ciclismo, parkour, entre outras atrações.
Pela primeira vez neste século, as águas estão próprias para banho. Banhada pela baía de Guanabara, a Praia do Flamengo tem sido considerada de boa qualidade, na classificação anual do Inea (Instituto Estadual do Ambiente).
Também em reportagem na Folha de S.Paulo, Gabriel Caetano, gerente de qualidade da água do Inea, explicou: “O que mais contribuiu para isso foi a escassez de chuvas para o período do inverno.”
Outra medida importante determinou a limpeza das águas. A concessionária Águas do Rio fez um desvio na rede de esgoto. O Rio Carioca, que dava na Praia do Flamengo, foi desviado para o interceptor oceânico, um túnel com nove quilômetros de extensão que capta esgoto de 13 bairros e leva para o emissário submarino de Ipanema. A limpeza do interceptor, que retirou 3 mil toneladas de lixo, também colaborou para a balneabilidade.
Ao jornal O Globo, o secretário da Secretaria estadual do Ambiente e Sustentabilidade (Seas), comentou: “Além do meio ambiente, estamos falando de turismo, saúde, geração de empregos. É uma região emblemática do Rio, nosso cartão-postal, no coração da cidade e não era própria… ficava pela metade.”
Agora está completo.
