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Olhar crítico e estético sobre a mineração

MAURO VENTURA

Durante os últimos dez anos, a fotógrafa mineira Isis Medeiros vem se dedicando a investigar os desastres ambientais causados pela mineração em Minas Gerais. O resultado é a série documental “Destino Mineral”, uma das vencedoras do recém-divulgado Prêmio Nacional de Fotografia Pierre Verger, promovido a cada dois anos pela Fundação Cultural do Estado da Bahia. A série “investiga o ciclo de destruição e negligência” que acompanha esse tipo de exploração econômica. Mas o olhar crítico e estético sobre esse processo não apresenta apenas a devastação, como o rompimento das barragens em Mariana (2015) e Brumadinho (2019). A proposta de Isis é registrar também “a força e a resistência dos povos atingidos, que lutam pela permanência em seus territórios”.

– O reconhecimento e a aplicação dos direitos coletivos de propriedade de povos indígenas e comunidades locais no Brasil são essenciais para conter o desmatamento e as mudanças climáticas, contrastando com a maior preservação ambiental em suas terras comparadas a áreas geridas por governos ou empresas privadas.

A aldeia Pataxó Katurâma, composta por indígenas Pataxó e Pataxó Hã-hã-hãe, em São Joaquim de Bicas, foi atingida pelo rompimento de barragem de Brumadinho. 2021.

O Rio Paraopeba foi duramente atingido após o desastre em Brumadinho.

– Para muitas culturas indígenas, rios, montanhas e florestas são entidades vivas, essenciais para sua existência e conexão espiritual, mas o impacto da mineração altera drasticamente essas relações, causando danos ambientais irreparáveis e afetando a saúde e o modo de vida das comunidades locais – afirma ela. – As áreas afetadas pelos resíduos tóxicos da mineração são comparadas à catástrofe de Chernobyl devido à contaminação generalizada do ar, da água e do solo. Muitas comunidades tradicionais ainda sofrem com a falta de soluções para a água potável, dependendo de caminhões-tanque, apesar de o Brasil possuir a maior reserva de água doce do mundo.

Aldeia Pataxó atingida pela mineração às margens do Rio Paraopeba, cuja água está imprópria até hoje. São Joaquim de Bicas, 2019.

Nesse contexto, diz Isis, a fotografia “atua como importante instrumento de memória, denúncia e mobilização, articulando arte, registro histórico e justiça socioambiental”.

– Esses episódios revelam um padrão de violência e impunidade que transforma comunidades em verdadeiras zonas de sacrifício e evidenciam as conexões entre a mineração e as drásticas mudanças climáticas – garante ela, que tem uma página dedicada a seu trabalho aqui no site Testemunha Ocular.

Ao longo dessa década de documentação, a fotógrafa tem visitado comunidades impactadas pela mineração, com ênfase nos rompimentos de barragens. Ela registrou, por exemplo, ações de evacuação forçada de comunidades próximas a barragens inseguras.

– Mais de três mil pessoas foram deslocadas. Eles aguardam uma resolução judicial e vivem em condições precárias, criando assim cidades fantasmas. As migrações das famílias, devido ao risco de rompimento de barragens, levam ao abandono de comunidades e ao domínio das mineradoras em territórios vulneráveis.

Famílias deslocadas em Barão de Cocais, após a tragédia de Brumadinho. 2019.
Dona Iranir Paiva teve sua vida afetada pela tragédia em Brumadinho. Córrego do Feijão, 2019

Isis também tem voltado seu olhar para a atual corrida pelo lítio no Vale do Jequitinhonha, região estratégica no Brasil para a transição energética.

– Em um mundo em transição energética, o Brasil não é apenas fonte de recursos naturais: é um campo de disputa pelo futuro. Meu trabalho busca tensionar essa contradição, convidando o público a refletir sobre o equilíbrio entre desenvolvimento tecnológico, direito da natureza e dignidade humana.

Ela tem registrado também a luta por justiça.

– No Brasil, a mineração é uma das principais ameaças aos defensores do meio ambiente, destacando-se no terceiro lugar mundial de mortes entre ativistas ambientais. As mulheres lideram movimentos de resistência em busca de justiça para as vítimas de desastres como os ocorridos na Bacia do Rio Doce e em Brumadinho.

Manifestação ocorrida em 2020, em Belo Horizonte, após a tragédia de Brumadinho.
Manifestação ecumênica em Brumadinho, em 2019, após rompimento da barragem do Córrego do Feijão.

 

A tragédia de Mariana

Era a tarde do dia 5 de novembro de 2015 quando a barragem do Fundão, operada pela empresa Samarco, controlada pelas empresas Vale e BHP Billiton, rompeu-se em Mariana, na Região Central de Minas Gerais, liberando cerca de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro e sílica em 700 quilômetros da Bacia do Rio Doce, varrendo do mapa o distrito de Bento Rodrigues. O desastre matou 19 pessoas, deixou mais de 600 desabrigadas e afetou, direta ou indiretamente, 2,5 milhões de moradores. A tragédia atingiu, direta ou indiretamente, 49 municípios. Isis chegou a Mariana no dia seguinte ao rompimento e registrou imagens como uma escola destruída.

Biblioteca da escola municipal de Paracatu de Baixo, destruída após o rompimento da barragem em Mariana. 2016.
Morro da Água Quente, Catas Altas, 2016. O desastre em Mariana resultou em mortes, destruição de ecossistemas e impunidade.

 

A tragédia de Brumadinho

Por volta das 12h30 do dia  25 de janeiro de 2019 tinha início a tragédia de Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. O rompimento da barragem Córrego do Feijão, da Vale, despejou 13 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração na Bacia do Rio Paraopeba, soterrando tudo o que encontrava pelo caminho. A água do rio foi contaminada por metais pesados, como ferro, cromo, cobre e manganês, e continua imprópria, quase seis anos depois. O desastre atingiu 26 municípios e provocou a morte de 272 pessoas – incluindo dois bebês, de duas grávidas.

Até hoje, duas pessoas permanecem desaparecidas, Tiago Tadeu Mendes da Silva e Nathália de Oliveira Porto Araújo, funcionários da Vale. Em fevereiro de 2025, os bombeiros encontraram “segmentos corpóreos” e identificaram como sendo da corretora de imóveis Maria de Lurdes da Costa Bueno. O Corpo de Bombeiros de Minas diz que não vai parar as buscas enquanto todas as vítimas não forem identificadas. Ao longo do tempo, as operações já envolveram quatro mil bombeiros.

Moradora de São José do Rio Pardo (SP), Maria de Lurdes, de 59 anos, estava em Brumadinho a turismo para conhecer o Instituto Inhotim. A Pousada Nova Estância, onde ela se hospedava, foi engolida pelos rejeitos. Além dela, morreram na tragédia seu marido, Adriano Ribeiro da Silva, dois enteados, Luiz Taliberti e Camila Taliberti, e a nora, Fernanda Damian de Almeida.

O escritório de segurança da Vale foi a única estrutura que permaneceu de pé após a ruptura da barragem em Brumadinho. Córrego do Feijão, 2019.

Isis chegou a Brumadinho apenas três horas após o desastre e documentou imagens como a da mais longa operação de resgate do mundo, que teve a ajuda de helicópteros, que fizeram uma média de 150 voos por dia. Mais de 60 cães, incluindo os que vieram de Israel, contribuíram para localizar cerca de 80% dos corpos.

Quase seis anos após o colapso da represa em Brumadinho, os bombeiros continuam na maior operação de busca e resgate da história do Brasil. Córrego do Feijão, 2019.

Dez anos após o desastre de Mariana e quase seis anos depois da tragédia de Brumadinho os riscos continuam. Segundo dados da Agência Nacional de Mineração (ANM), Minas Gerais abriga 43 estruturas em nível de alerta ou de emergência.

A seguir, mais fotos da série “Destino Mineral”, de Isis Medeiros:

 

A tragédia de Brumadinho contaminou o solo e a água com resíduos tóxicos da mineração e comprometeu o Rio Paraopeba. Córrego do Feijão, 2019.
Mata Atlântica destruída por uma avalanche de rejeitos de mineração nas margens do Rio Carmo, afluente da Bacia do Rio Doce. Paracatu de Baixo, subdistrito de Monsenhor Horta, 2016.
O Rio Paraopeba segue “morto”. A lama eliminou qualquer sinal de vida em até 305 quilômetros do seu curso, contaminando 21 municípios com metais pesados. Parque da Cachoeira, 2019.
Comunidade Pataxó atingida pela mineração às margens do Rio Paraopeba, São Joaquim de Bicas, 2020.
Dona Maria Joana da Cruz ainda aguarda sua filha, Nathália de Oliveira, desaparecida no colapso da barragem da Vale em 2019. Brumadinho, 2022
Durante a operação de busca em Brumadinho, helicópteros foram essenciais no resgate. Córrego do Feijão, Brumadinho, 2019
Sala de aula da escola municipal Paracatu de Baixo, destruída pela passagem dos rejeitos da barragem do Fundão, operada pela Samarco. Foto de 2016.
O Quadrilátero de Ferro, rico em minério de ferro, apresenta um solo poroso que alimenta os rios e é alvo da mineração. "A escassez de fiscalização estatal acentua os perigos", alerta Isis. Serra do Curral, Belo Horizonte, 2022
Brumadinho após o rompimento da barragem de rejeitos da Vale, em 2019, que resultou em 272 mortes, devastação de comunidades e ecossistemas, e implicações legais contínuas.