Caciqueando na avenida
LUIZ FERNANDO VIANNA
Nascido em 1961, o Cacique de Ramos – que nos três anos anteriores se chamara Homens da Caverna – foi rebatizado sob inspiração dos nomes de origem indígena de quatro de seus fundadores: os irmãos Ubirajara, Ubirany e Ubiracy, além de Aimoré do Espírito Santo. Por dois carnavais, saiu apenas pelas ruas do bairro da Zona Norte carioca. A partir de 1963, chegou às avenidas do Centro para fazer história.
Atravessou a Presidente Vargas, a Presidente Antônio Carlos e a Rio Branco, às vezes mais de uma no mesmo carnaval. Completou 60 anos, em 2021. Este ano, sairá na Avenida Chile nos dias 19, 20 e 21 de fevereiro, com concentração a partir das 17h. É o mais conhecido dos blocos de embalo (ou de empolgação), diferentes dos blocos de enredo. Saía com três sambas, um para cada momento do desfile, mas desobrigado de contar uma história.
O compromisso é com a alegria, sem descuidar da organização, com os participantes fantasiados de indígenas, divididos em seis alas, como Apache, Cheyenne, Carajás, Guerreiros e Tamoio. E precisa ser a fantasia daquele ano, desenhada por artistas plásticos como Carlos Vergara, o colaborador mais fiel. A alegria nem sempre era acompanhada de paz. Ficaram famosas as brigas com os componentes do principal rival, o Bafo da Onça, ambos hors-concours entre os blocos de embalo.
A época de maior popularidade foi o final dos anos 1970. Contribuiu muito Beth Carvalho ter levado para o estúdio o que ouvia nas rodas de samba do Cacique. O disco “De pé no chão” (1978) apresentou aquela sonoridade – produzida por instrumentos então desconhecidos como repique de mão, tantã e banjo com afinação de cavaquinho – e trouxe junto um grande sucesso, “Vou festejar”. O bloco, que já tivera seis mil componentes em 1977, saiu em 1979 com 12 mil, o equivalente a quatro escolas de samba.
Nas arquibancadas, também milhares de pessoas. Em 1980, criou-se o grupo Fundo de Quintal, com Ubirajara (ou Bira Presidente), Ubirany e outros, entre eles Jorge Aragão, Almir Guineto e, no ano seguinte, Arlindo Cruz. Foi nas rodas que Beth descobriu Zeca Pagodinho.
Apesar de atrair a classe média da Zona Sul, o Cacique nunca se afastou de suas origens. A quadra da Rua Uranos, 1.326, em Olaria, sempre teve pagodes comandados por gente ligada ao bloco, apresentações de sambistas e passistas e rainhas e princesas das redondezas. Glória Maria, ainda longe de se tornar jornalista, foi a primeira princesa. No carnaval de 1972, a rainha foi Tânia Márcia César de Amorim, do bairro da Penha, vizinho a Ramos.
Depois de dois anos sem desfilar, por conta da pandemia, o Cacique está de volta embalado pelo tema “O show tem que continuar” e pelos versos do samba-enredo “Caciqueando”, do Fundo de Quintal: “Olha, meu amor/ Esquece a dor da vida/ Deixe o desamor/ Caciqueando na avenida”.