Anatomia de um massacre
EQUIPE TESTEMUNHA OCULAR
A maior chacina de trabalhadores rurais do Brasil começou por volta das 16h do dia 17 de abril de 1996. Cerca de 1.500 pessoas estavam acampadas num local conhecido como Curva do S. Eles bloquearam a passagem de veículos como forma de protesto contra a demora do Incra em desapropriar a Fazenda Macaxeira, um latifúndio improdutivo de 40 mil hectares, no sudeste do Pará, que estava ocupado por famílias sem-terra. A ideia da marcha era chegar até a capital do estado, Belém.
No entanto, as famílias foram surpreendidas pela chegada de ônibus carregados de policiais para forçar a desobstrução da rodovia. O grupo foi cercado pelos agentes, e o saldo foi trágico: 21 sem-terra mortos – 19 deles no local e outros dois no hospital –, além de dezenas de feridos. A matança ficou conhecida como o massacre de Eldorado do Carajás.
Inicialmente, os policiais tentaram dispersar os manifestantes lançando bombas de efeito moral. Mas um homem foi alvejado e morreu. Os trabalhadores reagiram atirando pedaços de madeira. Durante a repressão, os policiais fizeram uso desproporcional da força, atirando e atacando com instrumentos de trabalho dos próprios camponeses. Em seu laudo, o legista Badan Palhares, da Unicamp, apontou que sete manifestantes tinham sido espancados a golpes de foice e de facão, e depois executados a tiros, e que dez haviam sido assassinados à queima-roupa. Jorge Araújo registrou os corpos das vítimas, como se vê na foto do alto da página.
Do total de 155 policiais envolvidos no caso, somente os líderes da operação, Mário Pantoja e José Maria de Oliveira, foram condenados. O coronel Pantoja, comandante da tropa de Marabá, recebeu uma pena de 228 anos de prisão, enquanto a justiça condenou o major Oliveira a 158 anos de prisão. Mas, por serem réus primários, puderam recorrer em liberdade. Chegaram a ser presos, mas foram libertados menos de um ano depois por conta de um habeas corpus do STF. Pantoja morreu em 2020, enquanto Oliveira está em prisão domiciliar.
A chacina repercutiu internacionalmente. Dias depois, o então presidente Fernando Henrique Cardoso criou o Ministério Extraordinário de Política Fundiária. Depois do massacre, o 17 de abril se tornou um marco na agenda de lutas populares do país pela reforma agrária. A data se tornou o Dia Nacional de Luta Pela Reforma Agrária e o Dia Internacional de Luta Camponesa. Todo ano, no mês de abril, o MST lembra as vítimas do massacre e realiza ocupações e protestos. A mobilização ficou conhecida como Abril Vermelho.
Quase 30 anos após a chacina, o Pará mantém-se na liderança dos conflitos no campo, segundo aponta um relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulgado em 2022.