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Retrato agridoce do país

EQUIPE TESTEMUNHA OCULAR

Gabriela Biló decidiu ser fotógrafa porque queria fazer do mundo um lugar melhor. Ao contar isso à mãe, ouviu de volta que deveria, sim, tentar, porque a vida só tem sentido quando deixamos algo de bom para o mundo. Ela seguiu em frente, e começou registrando as manifestações de rua do Movimento Passe Livre, em 2013.

Agora, dez anos depois, a fotojornalista reúne em livro algumas das imagens mais marcantes de sua trajetória. Nesse período, Biló se firmou como uma das mais acuradas intérpretes visuais do país, como se pode ver em “A verdade vos libertará”, que está sendo lançado pela editora Fósforo.

Nesse intervalo de 2013 a 2023, o Brasil foi sacudido por diversas crises, tudo devidamente registrados pelo olhar de Biló, dos protestos de rua ao desmatamento da Amazônia, da pandemia à CPI da Covid.

Alguns personagens se sobressaem, seja na ascensão como na queda. Há a reeleição de Dilma e seu impeachment. Há a prisão de Lula e sua vitória na última eleição, comandando o país pela terceira vez. Uma foto recente do atual presidente provocou polêmica: ele é visto ajeitando a gravata atrás de uma vidraça que parece trincada pelo disparo de uma bala, resultado de uma dupla exposição – quando duas imagens são registradas no mesmo fotograma. Biló defendeu sua escolha num vídeo em que diz que a fotografia jornalística pode ser arte na medida em que o profissional não é só uma pessoa que aperta botões numa câmera: “A partir do momento em que você escolhe uma lente, escolhe um posicionamento e a luz, isso tudo passa por um processo criativo que considero arte porque você tem intenção.”

Surgem também nas páginas figuras como Michel Temer e Sergio Moro. Mas o protagonista maior é Bolsonaro. Entre a posse em 2019 e os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, desfilam o negacionismo, as fake news, as motociatas, as crises, as manifestações, contra e a favor do governo.

O livro tem caprichado projeto editorial de Pedro Inoue e organização de Cristiano Botafogo e Pedro Dalto, do podcast Medo e Delírio em Brasília. Junto com as fotos, ele traz manchetes de jornal, posts de redes sociais, memes, áudios em QR Code, textos de Atila Iamarino, João Wainer, Juliana Dal Piva e Patrícia Campos Mello, além de uma carta de Miriam Leitão para a fotojornalista.

O título do livro faz referência ao versículo bíblico. Ela explica a escolha:

– Jair Bolsonaro falava muito isso. É sobre guerra de narrativas. O que é a verdade? Tivemos um presidente que tentou reescrever a história chamando de revolução uma ditadura. O livro brinca com isso.

Uma frase dela e de Pedro Inoue publicada no livro resume bem a importância de não deixar a história ser reescrita, esquecida ou distorcida: “Que nunca esqueçamos. Não há como perdoar o imperdoável.”

Biló define seu livro como “ácido”:

– É meu olhar particular sobre uma década marcante no Brasil em que vimos uma nova ascensão do autoritarismo no país. Espero que quem leia ria, chore e nunca duvide de suas próprias memórias do que aconteceu.

Biló trabalha atualmente na Folha de S.Paulo. Antes, fazia parte da equipe do Estado de S.Paulo. Ela é uma das fotógrafas convidadas do Testemunha Ocular. Sua página no site pode ser conferida aqui. Sobre os dez anos que marcam sua carreira, ela diz:

– A minha história na fotografia se misturou com a história do Brasil. É um paradoxo: ao mesmo tempo que a extrema direita crescia fui me encontrando como fotojornalista. São dez anos agridoces.

No livro, ela escreve uma carta à mãe em que pergunta: “Queria muito saber se você gostou do livro.” A essa altura, Biló já sabe a resposta:

– Ela amou, chorou.

Dez anos atrás, Biló disse aos pais que queria “viver a história”. Tem conseguido, a ponto de ter se tornado uma das mais brilhantes observadoras e documentaristas da cena brasileira contemporânea.

Jair Bolsonaro aponta para Sergio Moro, ao lado de Paulo Guedes, em cerimônia de hasteamento da bandeira. Brasília, 2019. O Estado de S.Paulo
O presidente da república Jair Bolsonaro participa do Fórum: "O controle no combate à corrupção". 2020. O Estado de S.Paulo
O ministro da Saúde Eduardo Pazuello fala na CPI da Covid. 2021. O Estado de S.Paulo. Imagem com técnica de multi-exposição
Protesto contra o presidente Michel Temer na região da Avenida Paulista, em São Paulo, SP, em 2016, após o impeachment de Dilma Rousseff. Acervo pessoal. Gabriela Biló
A fotógrafa Gabriela Biló, que está lançando o livro "A verdade vos libertará"
Capa do livro "A verdade vos libertará, 2013 - 2023", de Gabriela Biló, organizado por Cristiano Botafogo e Pedro Daltro, apresentadores do podcast Medo e Delírio em Brasília, e projeto editorial de Pedro Inoue. Lançamento da editora Fósforo
Fusca em chamas em protesto contra a Copa do Mundo. Foto feita em São Paulo, no dia 25 de janeiro de 2014