Um fotógrafo no front
MAURO VENTURA
O carioca Felipe Dana interrompe a conversa e diz:
– O alarme está tocando aqui em Kiev agora mesmo, vou ter que conferir o que está acontecendo.
O fotógrafo está na capital ucraniana, cobrindo a guerra contra a Rússia. Dois dias depois, ele tranquiliza o repórter e diz que está tudo bem. Explica que, frequentemente, o alarme antibombas é acionado. Pode indicar um ataque russo por drone ou por míssil balístico. Ou pode ser ainda um caça MiG sobrevoando a cidade para atacar.
– O sistema de defesa da Ucrânia melhorou muito. Então, na capital, o governo consegue interceptar a maioria dos ataques. Mas isso não quer dizer que não haja consequências. Porque mesmo interceptado o míssil cai em algum lugar, como numa rua, numa casa, num prédio. Dessa vez, felizmente, não houve problemas.
No dia seguinte à nossa segunda conversa, houve um novo ataque da Rússia, que atingiu Kiev. Mais uma vez sem vítimas fatais: o fotógrafo conta que, dos 75 drones, 74 foram interceptados pelas forças ucranianas.
Felipe Dana, que trabalha para a agência Associated Press (AP) e tem uma página dedicada a seu trabalho no site Testemunha Ocular, venceu o Pulitzer este ano com três imagens feitas por ele em 2022 durante o conflito. O prêmio elegeu um conjunto de 15 fotos de sete profissionais da AP como as melhores do ano na categoria fotografia de notícias.
As três fotos de Felipe da série premiada mostram um cão ao lado sua dona, uma idosa, morta em casa, em Bucha; o corpo de um homem com uniforme militar estendido numa barreira perto de uma aldeia retomada pelos ucranianos na periferia de Kharkiv; e um homem fugindo correndo com alguns itens recuperados de uma loja, ao lado de um imóvel pegando foto após ser bombardeado pelos russos.
Felipe está em cartaz no FotoRio com uma seleção de 28 de suas fotos da guerra na Ucrânia. A exposição é fruto de uma conversa entre ele e o curador Fernando Costa Netto, que já havia exposto a série que ele fez em Mossul, no Iraque, numa coletiva no Museu da Fotografia Fortaleza, em 2018.
– Felipe é um artista com um olhar inacreditavelmente apurado. A cauda histórica e a sofisticação estética do trabalho dele nesses dez últimos anos são impressionantes – diz Fernando.
Paulo Marcos de Mendonça Lima, um dos organizadores do FotoRio, diz que Felipe pertence à linhagem de fotógrafos humanistas, aqueles que mostram “a cara, o corpo e alma de uma das faces mais obscuras e raivosas do ser humano: a de ser capaz de matar e morrer para defender uma causa.” Segundo ele, a mostra faz parte das comemorações dos 20 anos do FotoRio, o festival permanente de fotografia mais antigo do Brasil.
Para o jornalista Leão Serva, que assina um dos textos da mostra, Felipe tem seu nome entre os maiores da “tribo sofrida dos fotógrafos de guerra”. Antes de documentar conflitos, Felipe registrou operações policiais em favelas do Rio – o que ele define como “uma guerra não reconhecida como tal”. Serva escreve que “ junção do calor da rua com a qualidade da imagem” resultou num fotógrafo de altíssimo nível.
Felipe, que está na AP desde 2009, já havia sido indicado outras quatro vezes ao prêmio Pulitzer pela cobertura da guerra contra o Estado Islâmico no Iraque e na Síria. Na Ucrânia, ele já registrou o conflito em vários momentos. Era para Felipe estar agora cobrindo a guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas, mas a AP pediu que se deslocasse de novo para a Ucrânia, para coordenar o escritório da agência na capital.
– A guerra aqui na Ucrânia continua. Os ataques ainda são constantes, principalmente no leste, no sul e no sudeste do país, onde as mortes são diárias.
Mas em breve ele irá para o Oriente Médio, onde já esteve várias vezes cobrindo conflitos entre Israel e grupos extremistas. Ele explica as dificuldades de cobrir a guerra na região:
– Nesse momento, quem está em Israel não consegue entrar em Gaza, e quem está em Gaza não consegue sair de lá. O exército israelense está levando alguns jornalistas para Gaza, mas são visitas muito controladas e curtas, em missões específicas. A liberdade que você tem é muito pequena.
O fotojornalista diz que todo conflito é muito diferente um do outro, cada um tem suas particularidades. Ele prefere falar nas similaridades.
– A principal é que, em qualquer conflito que cobri, a grande vítima é sempre a população civil, que na maioria das vezes nada tem a ver com a guerra e muitas vezes não apoia o grupo que está ali.
Seja como for, em qualquer situação é preciso entender como conseguir trabalhar com segurança. O que está cada vez mais difícil.
– Se você está cobrindo a guerra no Iraque contra o Estado Islâmico (ISIS), por exemplo, você, como jornalista, é tão alvo quanto qualquer militar. Infelizmente, hoje em dia, na grande parte das vezes ser jornalista não deixa você mais seguro.
Outro ponto que determina a cobertura é saber que forças você está acompanhando.
– Quando você cobre um conflito geralmente tem que acompanhar um dos lados. Dificilmente você pode andar livremente numa zona de guerra. É preciso entender quais são as restrições, onde se pode ter acesso e a que perigos você está se expondo, para navegar de forma mais segura e poder mostrar o que está acontecendo.
Felipe tem conseguido trabalhar nesse difícil equilíbrio, como nota Fernando.
– Suas fotos abordam o conflito, armado e violento, de forma a nos levar para dentro das muitas fissuras que uma guerra produz. Podemos sentir o desespero de uma mulher pela morte de um adolescente; a tensão dos soldados subindo as escadas de um prédio residencial; o caos de fogo e fumaça; a solidão absoluta de um homem morto no meio da rua e o silêncio de pessoas que fogem por um caminho improvisado. Por meio de imagens gráficas e belas, ele nos lembra que a guerra pode até produzir fotos de alto valor estético, mas mostra que ela é, sobretudo, horripilante e que produz cicatrizes em civis e militares que nunca fecharão.
O FotoRio acontece até dia 3 de dezembro no Tropigalpão, na Rua Benjamim Constant, nº 118, na Glória, na Zona Sul do Rio.