A Revolta dos Marinheiros
EQUIPE TESTEMUNHA OCULAR
Nos 60 anos do golpe militar de 1964, o site Testemunha Ocular traz um especial de cinco reportagens sobre o tema.
A primeira matéria da série fala sobre o comício do presidente João Goulart na Central do Brasil, no dia 13 de março, que ajudou a ampliar o desgaste de Jango junto à sociedade civil.
Esta segunda matéria trata da Revolta dos Marinheiros, de 25 a 27 de março, um dos estopins do golpe.
A terceira matéria fala da anistia concedida por João Goulart aos marinheiros revoltosos, o que desagradou a cúpula das Forças Armadas.
A quarta matéria trata da punição aos militares revoltosos.
E, por fim, a quinta matéria trata do golpe de 64 e dos dias seguintes.
No dia 25 de março de 1964, um grupo de marinheiros resolveu celebrar o segundo aniversário da Associação de Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil, a AMFNB. A festa aconteceu no Palácio de Aço, sede do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, na Rua Ana Néri, em São Cristóvão.
A entidade fundada no dia 25 de março de 1962 e liderada por José Anselmo dos Santos, conhecido como cabo Anselmo, não era reconhecida pela Marinha, que havia dado a ordem para que cancelassem a comemoração. Os marinheiros ignoraram a determinação do ministro, o almirante Silvio Mota.
Eram cerca de 2 mil revoltosos, militares de baixa patente. A festa contou com dois convidados ilustres: o deputado federal Leonel Brizola (PTB-RJ) e João Cândido, o Almirante Negro, então com 84 anos, líder da Revolta da Chibata, em 1910, quando os marujos se rebelaram contra os castigos corporais que sofriam.
Além da celebração, eles tinham muitas reivindicações. Protestavam por melhores condições de trabalho, moradia e alimentação. Queriam o reconhecimento da entidade, a melhoria da comida que era servida a bordo dos navios e dentro dos quartéis, mudanças no código disciplinar da Força, direito a andar à paisana em suas folgas, autorização para estudar e casar, reformas no plano de carreira e conquista da estabilidade aos dez anos de profissão. E exigiam que nenhum dos participantes daquele encontro fosse punido.
Mas também aproveitaram para defender as reformas de base anunciadas dias antes pelo presidente João Goulart. As demandas desagradaram o comando da Marinha. Começava ali um movimento que duraria três dias e duas noites, período em que os praças ocuparam o sindicato. Fotógrafos de “O Jornal” cobriram a manifestação, como se pode ver em imagens desta reportagem.
O ministro Silvio Mota decretou Regime de Prontidão Rigorosa, que obriga os militares a se apresentar em seus postos. Como não foi obedecido, determinou ao almirante Cândido da Costa Aragão, Comandante-Geral do Corpo de Fuzileiros Navais, que enviasse uma tropa de cerca de 90 homens para acabar com a mobilização e prender os marinheiros, como se vê na foto do alto desta matéria. Mas, na manhã do dia 26, ao escutar apelos dos colegas que estavam entrincheirados, eles acabaram descumprindo a ordem e aderindo ao motim.
O jeito foi convocar o Exército, que cercou o edifício no dia seguinte com cerca de 500 soldados. O prédio acabou não sendo invadido porque Jango interveio e proibiu a ação. Ele passava o feriado da Semana Santa em sua fazenda em São Borja (RS), mas voltou para assumir as negociações. No dia 27 de março, Sexta-Feira Santa, nomeou um novo ministro, o almirante da reserva Paulo Mário da Cunha Rodrigues, que, com aval de Jango, determinou a libertação imediata dos revoltosos detidos.
Para o alto escalão da Marinha, houve quebra da disciplina e da hierarquia militar. Segundo os especialistas, a atitude fortaleceu o discurso golpista nas Forças Armadas e aumentou as tensões nos quartéis. A anistia aos marinheiros acabaria custando muito caro a Jango. A revolta seria o estopim para o golpe militar de 64, dali a poucos dias.