Fogo no Planalto Central
Mauro Ventura
Nascido e criado em Brasília, o fotógrafo Ueslei Marcelino diz nunca ter visto incêndios com essas proporções e com tamanha frequência acontecendo na região do Planalto Central. Acostumado a registrar queimadas país afora, ele se mostra impressionado em ver como o Cerrado passou a Amazônia em destruição.
– É a primeira vez que o bioma assume a liderança, com as maiores perdas. Mais de 1,11 milhão de hectares foram destruídos em 2023, a maior cifra desde 2015. Isso equivale a sete vezes o tamanho da cidade de São Paulo, e representa 68% a mais do que no ano anterior.
E 2024 segue na mesma direção. Ele conta que a qualidade do ar em Brasília “nunca ficou tão ruim”:
– O cheiro da fumaça e a fuligem estão em todos os lugares na cidade.
Há explicações naturais – esse ano está muito mais quente e mais seco -, mas a sensação dele é de que existe ação humana por trás desses incêndios.
– Está claro que nessa temporada de seca os focos estão acontecendo de forma múltipla, em locais diferentes, às vezes até de maneira simultânea. As pessoas acham que é normal que o fogo queime todos os anos. Mas o fogo não queima todos os anos. É alguém que coloca fogo para que queime. Acreditar que é um fenômeno que acontece naturalmente é decretar nosso próprio fim. E com as mudanças climáticas a coisa está perdendo o controle e se acentuando.
Ueslei, que trabalha para a Reuters e tem uma página dedicada a seu trabalho no site Testemunha Ocular, do Instituto Moreira Salles, faz um alerta:
– O que me indigna é a atitude de como estamos “normalizando” essas situações extremas e adaptando nossas vidas, caminhando para um fim trágico nessa de aceitar que o fogo é um fenômeno que acontece naturalmente todos os anos, mas não é. É perigoso se acostumar com isso, achar que é normal. Temos que mudar esse jogo.
Para ele, as autoridades adotam medidas paliativas. Em vez de combater de forma séria o problema, usa-se uma máscara, decreta-se emergência, não se vai para a escola, suspendem-se atividades físicas, decreta-se ponto facultativo para os trabalhadores.
Segundo ele, uma das soluções passa pelo fim da impunidade:
– Como cidadão, sinceramente, espero que os culpados sejam presos, julgados e condenados por esse crime bárbaro contra a humanidade.
Depois de registrar nos últimos tempos a tragédia do fogo no Pantanal sul-matogrossense, ele está há um mês e meio acompanhando as queimadas no Cerrado, ao mesmo tempo em que monitora com as brigadas a situação na Chapada dos Veadeiros, em Goiás. Ueslei fala das dificuldades do trabalho:
– Está mais complicado ter acesso aos locais do fogo porque o Cerrado brasiliense tem uma complexidade própria em sua geografia. O uso de drone tem ajudado bastante para eu me localizar e “mapear” os ambientes.
O fotógrafo tem visto cenas aterradoras.
– Estive de frente para a fauna sentindo o calor do fogo, ouvindo o estralar da madeira e fotografando grandes áreas sendo incineradas em minutos.
Ele pede a atenção de todo mundo para o problema:
– Imagine que enquanto você está olhando minhas fotografias e lendo esse texto alguma floresta, parque ou reserva está em chamas em algum lugar do Brasil.