O outro lado da folia
MAURO VENTURA
Desde 1985 que o fotógrafo Rogério Reis tem um olhar original sobre o carnaval carioca. Em vez da grande festa do Sambódromo, ele volta suas lentes para os foliões anônimos, numa série intitulada “Na Lona”. Parte dessa produção, com imagens antigas e também inéditas, está à mostra a partir desse dia 26 de maio na Galeria da Gávea.
A exposição “Deixa Falar” reúne cerca de 70 obras. Do projeto “Na Lona”. há ampliações originais em preto e branco de fotos feitas entre 1985 e 2002, e imagens inéditas tiradas neste último carnaval de 2025. E há uma nova série, “Samba no Pé”, que registra resquícios da passagem de blocos de carnaval.
“Na Lona” surgiu como um gesto de oposição à festa midiática do carnaval. Nasceu nas ruas e celebrou foliões anônimos e sua criatividade popular. A ideia surgiu pouco depois da inauguração do Sambódromo, em 1984. Em vez de registrar o espetáculo grandioso das escolas de samba, ele preferiu dar as costas aos desfiles na Marques de Sapucaí e passou a percorrer diferentes pontos da cidade, no Centro, na Zona Sul e nos subúrbios. Com uma imensa lona, ele convidava na hora pessoas desconhecidas, com suas fantasias, para serem documentadas. O trabalho, que entrou para a iconografia do carnaval do Rio, virou livro (Aeroplano, 2001), exposições e documentário (dirigido por Stefan Kolumban Hess, 2002), e conquistou o Prêmio Nacional de Fotografia da Funarte.
Este ano ele decidiu retomar o trabalho, mais de duas décadas depois de ter dado por concluído o projeto. A volta se deu após um amigo, o fotógrafo Emmanuel Lenain, embaixador da França no Brasil, pedir a Rogério que o ajudasse a fazer um trabalho semelhante ao seu. Rogério cedeu a lona e a assistente. No segundo dia de carnaval, resolveu passar na Cinelândia para dar um abraço no amigo. Ele conta: “Chegando lá, vi que muita coisa tinha mudado em 17 anos. O que apareceu muito este ano foi a questão de novas afirmações sociais, a reparação histórica. No passado, tinha aquele folião que fazia uma coisa irônica, de crítica ao poder, de deboche, havia muitas personalidades políticas que apareciam nas fantasias de maneira bem-humorada. Mas neste ano não havia ninguém assim. Isso desapareceu. Atribuo à polarização entre esquerda e direita, porque as represálias são traduzidas hoje em agressão política.”
Série “Na Lona”: foto inédita feita no carnaval de 2025. Criatividade popular.Na Galeria da Gávea, Rogério exibe dezesseis destas novas fotografias, ao lado de cerca de 40 obras do ensaio original. As demais imagens, da série “Samba no Pé”, surgiram a partir da dispersão dos blocos de rua no carnaval deste ano. Após a passagem de um bloco na Avenida Atlântica, em Copacabana, viu foliões ainda sambando, mesmo depois que os garis já jogavam sabão no asfalto. Isso criava involuntariamente desenhos na espuma que ia secando. Essas imagens compõem um lado mais simbólico, poético e abstrato do carnaval, em diálogo com o restante da exposição, formada por retratos.

O curador da mostra, Evandro Salles, observa, no texto de apresentação, o caráter dessas imagens de revelar, ao menos no instantâneo da fotografia, “a existência do impossível”: a exposição “Deixa falar” revela o fio por meio do qual “são amarrados sonhos, desejos, fantasias e realidade”. Ele acrescenta: “Delineando um percurso interior que parece infinito, nessas fotografias o mundo de dentro se externaliza, se materializa, se reconfigura e se apresenta pleno à luz do dia apesar de sua aparente loucura e impossibilidade de existência.”
Em junho, parte da exposição viaja para Paris: quinze fotos foram adquiridas pela Biblioteca Nacional da França, e Rogério vai participar de uma apresentação pública no espaço BnF/Richelieu, dentro da programação do Ano do Brasil na França, com apoio do Instituto Guimarães Rosa.
Serviço:
Exposição “Deixa falar”.
Fotografias de Rogério Reis.
Curadoria de Evandro Salles.
Galeria da Gávea (Rua Marquês de São Vicente 432, Gávea, Rio de Janeiro).
Duração: de 26 de maio a 18 de julho. Horário de funcionamento: segunda a sexta, das 11h às 19h.