O melhor do fotojornalismo
MAURO VENTURA
Após percorrer a exposição World Press Photo, com as imagens mais importantes do fotojornalismo mundial, o fotógrafo Pablo Vergara comenta: “Infelizmente, ela é um recorte fiel da crueldade humana, da desigualdade, das migrações forçadas, dos conflitos armados e possivelmente do pior da nossa espécie. Mas o que seria do mundo sem esses registros fotográficos? O fotógrafo ou a fotógrafa não vai mudar a humanidade, mas pode, em uma única fotografia, sintetizar um pedaço da historia.”
Em cartaz na Caixa Cultural, no Rio, a exposição itinerante apresenta os vencedores da 68ª edição do concurso anual. Este ano, a mostra reúne 42 projetos de 31 países, contemplados em três categorias: individual (singles), reportagem (stories) e projetos de longo prazo (long-term projects). A premiação recebeu 59.320 inscrições, enviadas por 3.778 fotógrafos, de 141 países.
Entre os ganhadores estão três brasileiros: Anselmo Cunha, da AFP, vencedor na categoria individual da América do Sul, com a imagem “Aeronave em pista inundada”, registrada no aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, durante a enchente histórica que atingiu o Rio Grande do Sul em maio de 2024; Amanda Perobelli, da Reuters, que venceu na categoria reportagem da América do Sul, com a série “As piores enchentes do Brasil”, que retrata os impactos das mesmas chuvas na cidade de Canoas; e André Coelho, da EFE, também na categoria individual da América do Sul, com a foto “Torcida do Botafogo: orgulho e glória”, que mostra a comemoração dos torcedores do clube carioca após a conquista inédita da Copa Libertadores, em novembro de 2024.
A propósito do trabalho de André, o brasileiro Raphael Dias e Silva, curador e gerente da exposição, comenta: “É uma imagem que mostra como o esporte tem o poder de criar comunidade, o poder de criar esperança e felicidade, sentimentos tão necessários no mundo atual.”
Além disso, o Brasil também se destacou em trabalhos do peruano Musuk Nolte, com a série “Seca no Rio Amazonas”, que retratou os efeitos socioambientais da redução do nível dos rios na região norte do país, e do francês Jerome Brouillet, da AFP, vencedor na categoria Individual da região Ásia-Pacífico e Oceania, com a imagem que mostra o surfista brasileiro Gabriel Medina emergindo triunfante de uma onda em Teahupo’o, no Taiti, quando garantiu a medalha de bronze nas Olimpíadas de Paris.
Pablo (@pablo_vergara_foto) visitou a exposição a convite do site Testemunha Ocular. Chileno radicado no Rio, fotógrafo colaborador do acervo do Imagens do Povo, coletivo do Complexo da Maré, ele está acostumado a cobrir movimentos sociais, a luta pelos direitos humanos e os problemas ambientais causados nas comunidades tradicionais. Desde 2017, por exemplo, ele registra os impactos socioambientais do maior porto privado da América Latina, o Porto do Açu, junto às famílias de agricultores rurais despejados pela construção do megaempreendimento em São João da Barra, no Norte Fluminense.
– Minha fotografia não tem pegada mercadológica. Não enxergo a fotografia dissociada de uma ação política ou de uma ação nos territórios e nas pessoas que os constroem.
Ele selecionou as oito fotos que mais o marcaram na exposição, e fez observações sobre a mostra. Logo na entrada, chamou-lhe a atenção um texto que o deixou “em alerta”:
– Está escrito que 70% dos fotojornalistas mortos em 2024 foram vítimas das Forças Armadas de Israel. Há aí um manifesto. Portanto, o concurso expressa o repúdio ao genocídio do povo palestino.
Tanto a Foto do Ano de agora como a do ano passado têm a ver com o conflito na Faixa de Gaza. A de 2025, feita pela palestina Samar Abu Elouf para o jornal “The New York Times”, mostra Mahmoud Ajjour, menino de nove anos que perdeu os dois braços em um bombardeio em Gaza, enquanto a de 2024 mostra uma mulher palestina abraçando o corpo de sua sobrinha de cinco anos.
As imagens da exposição documentam protestos e levantes em países como Quênia, Myanmar, Haiti, El Salvador e Geórgia; retratos inesperados de figuras políticas nos Estados Unidos e na Alemanha; histórias comoventes de jovens ao redor do mundo – como um homem trans de 21 anos nos Países Baixos e uma ucraniana traumatizada pela guerra –; o impacto das mudanças climáticas em países como Peru, Brasil e Filipinas; e a potência da comunidade LGBTQIAPN+ celebrando o orgulho em um local secreto em Lagos, Nigéria, onde atos dessa natureza podem ser criminalizados.
A exposição retrata ainda a violência de gênero e os desafios enfrentados por mulheres em diferentes contextos ao redor do mundo, por meio das histórias retratadas em diversas imagens vencedoras, como “Corpos Femininos Como Campos de Batalha” (Cinzia Canneri), “Maria” (Maria Abranches), “Jaidë” (Santiago Mesa), “Terra Sem Mulheres” (Kiana Hayeri) e “Crise no Haiti” (Clarens Siffroy). As fotos, dizem os organizadores, “evidenciam como o corpo e a vida das mulheres continuam sendo alvos de opressão, controle e violência”.
A seguir, as oito fotos escolhidas por Pablo Vergara, seguidas de seus comentários sobre elas:
1. Mahmoud Ajjour, nove anos. Foto feita pela palestina Samar Abu Elouf/New York Times. “Esta impactante imagem foi a fotografia do ano do WPP 2025 e o reflexo do genocídio sistemático ao povo palestino. Milhares de crianças foram mortas e feridas desde o início do conflito armado são o reflexo de uma guerra sistemática de extermínio que agora toma rumos da desnutrição. O poderoso retrato da fotógrafa Samar Abu retrata um menino jovem, com braços amputados, sentado encostado em uma parede iluminada por uma luz suave e quente. A luz natural projeta sombras marcantes sobre seu rosto e corpo, criando um contraste dramático que realça suas feições, seus olhos atentos e a textura de sua pele. As sombras também reforçam a atmosfera introspectiva da imagem, transmitindo ao espectador um sentimento de dor e resiliência.”
2. Torcida do Botafogo: orgulho e glória. Foto feita pelo brasileiro André Coelho/EFE. “Esta fotografia retrata um momento comovente e profundamente humano em um estádio de futebol, durante uma celebração emocionante pela conquista da Libertadores pelo Botafogo. Na imagem, vemos uma multidão de torcedores botafoguenses comemorando com lágrimas e abraços emocionados. O foco da imagem está em um homem sem camisa, com tatuagens do escudo do clube, que abraça fortemente um jovem com a camisa do Botafogo, enquanto ambos choram de emoção. A intensidade de suas expressões transmite uma sensação de catarse coletiva. Não é apenas uma vitória esportiva, mas uma libertação emocional, o triunfo do esforço.”
3. Aeronave em pista inundada. Foto feita pelo brasileiro Anselmo Cunha/AFP. “Uma imagem distópica que nos traz um paralelo entre o real e o fictício: assim se apresenta a fotografia de Anselmo. Com sua potência visual, a obra revela a urgência das mudanças climáticas e nos confronta com as consequências, que podem ser catastróficas. A cada ano, assistimos a cenas cada vez mais complexas e devastadoras em todo o mundo: enchentes, secas, ondas de calor extremo e eventos climáticos severos. Neste caso, a imagem minimalista torna-se ainda mais poderosa pela forma como ela convoca o observador a refletir. O avião de carga, refletido de maneira quase onírica em uma superfície espelhada que lembra um alagamento, nos faz pensar no aumento do nível do mar, nas inundações e no deslocamento forçado de populações. É como se o avião, símbolo do progresso humano e da globalização econômica, estivesse suspenso sobre um mar de incertezas.”
4. Tamale Safalu. Foto feita pela holandesa Marijn Fidder. “As fotos retratam Tamale Safalu, fisiculturista ugandense que perdeu uma perna em um acidente de moto em 2020. Mesmo enfrentando desafios físicos e emocionais, ele voltou a competir como o primeiro atleta com deficiência a participar de campeonatos de fisiculturismo ao lado de atletas sem deficiência em Uganda. As imagens mostram Safalu exibindo sua força e determinação em um cenário simples, transformando seu espaço doméstico em um palco de resistência e inspiração para outras pessoas com deficiência.”
5. A vida não para. Foto feita pelo sudanês Mosab Abushama. “A imagem retrata um jovem noivo sudanês, em seu casamento, vestindo um terno cinza claro, sentado em uma cadeira de madeira, segurando uma pistola entre as mãos. Ao fundo, um tapete vermelho ricamente trabalhado está pendurado em uma parede de barro clara. Ao lado do rapaz, encostada na parede, repousa uma espingarda. O chão é de terra batida, sugerindo um ambiente modesto e árido. A imagem simboliza a dualidade de viver entre a violência e a busca pela normalidade: armas e ternos convivem lado a lado, enquanto um tapete cobre a parede. A fotografia revela a força de quem resiste e celebra, mesmo em meio à destruição, e convida a refletir sobre a esperança que sobrevive em tempos de guerra.”
6. Jaidë. Foto feita pelo colombiano Santiago Mesa. “Liria Cheito tentou suicídio usando sua paruma, uma vestimenta tradicional de sua comunidade, em 7 de abril de 2023, após ter sido abusada por seu marido em Puerto Antioquia, em Chocó, na Colômbia. Os Emberá Dobida são um povo indígena nômade da Colômbia, tradicionalmente ligados ao rio Bojayá. Muitos foram deslocados para a capital, Bogotá, fugindo dos conflitos armados entre as forças paramilitares e buscando segurança e oportunidades. Entre 2015 e 2020, a comunidade de Bojayá registrou 15 suicídios; até 2024, esse número saltou para 67, e mais de 400 tentativas de suicídio, segundo a Igreja de Bellavista. Casos como o de Yadira Birry, de 16 anos, que tirou a própria vida, e Liria Cheito, que sobreviveu a uma tentativa de suicídio no mesmo dia, evidenciam a dor profunda que atinge essas comunidades. A fotografia retrata a mulher dentro de uma casa de madeira simples, em um cenário de luz natural filtrada pela janela aberta. Ela está de costas para a câmera, com os braços erguidos enquanto prende ou solta os cabelos, transmitindo uma sensação de introspecção. A luz quente e intensa que entra pela janela ilumina seus braços e cabelos, criando um forte contraste com o ambiente escuro da casa de madeira. A atmosfera sugere um momento íntimo e silencioso de cuidado pessoal, ao mesmo tempo em que reflete a dignidade e a resiliência da mulher retratada.”
7. Seca no Rio Amazonas. Foto feita pelo peruano Musuk Nolte. “A fotografia mostra um homem de costas em uma paisagem árida e extensa, vestindo chapéu de palha e short branco, segurando sacolas plásticas que parecem conter seus pertences. O horizonte distante é baixo, e o céu limpo reforça a sensação de solidão e imensidão. Esta imagem retrata a seca no rio Solimões, no Brasil, uma das piores da região amazônica nos últimos anos, que tem impactado comunidades ribeirinhas e modos de vida tradicionais. A fotografia concorreu ao prêmio de Fotografia do Ano no World Press Photo 2025, destacando a crise socioambiental e humana causada pela mudança climática. O trabalho de Musuk se amplia sobre as temáticas que envolvem o Amazonas. Em seus ensaios, Nolte tem fotografado comunidades ribeirinhas e indígenas na Amazônia peruana e brasileira, destacando como a destruição ambiental ameaça suas formas de vida. Ele também retrata momentos de resistência, espiritualidade e conexão com a natureza, apresentando a Amazônia não apenas como um território ameaçado, mas como um espaço vivo de cultura e memória.”
8. Terra sem mulheres. Foto feita pela iraniana-canadense Kiana Hayeri/Foundation Carmignac. “A imagem revela um contraste entre o luxo dos vestidos de festa e a opressão implícita nas máscaras que cobrem os manequins. O véu improvisado com furos para os olhos faz alusão às restrições que as mulheres enfrentam no Afeganistão desde a volta do Talibã ao poder em 2021, incluindo a proibição de trabalhar, estudar ou circular livremente. Ao transformar manequins femininos em símbolos de silêncio e invisibilidade, a imagem reflete a dura realidade das mulheres afegãs, cujo acesso à educação, trabalho e até ao cuidado médico está cada vez mais restrito por imposições extremistas.”
Serviço:
Exposição: World Press Photo 2025
Local: CAIXA Cultural RJ – Unidade Passeio
Período: 27 de maio a 20 de julho de 2025
Endereço: Rua do Passeio, 38 – Centro, Rio de Janeiro. Próximo à estação Cinelândia do Metrô
Horário de visitação: Terça a sábado: das 10h às 20h/Domingos e feriados: das 11h às 18h
Entrada gratuita
Classificação etária: 12 anos
