Afirmação da identidade negra
EQUIPE TESTEMUNHA OCULAR
Abdias do Nascimento tinha vontade de criar um espaço em que artistas negros pudessem se expressar com autonomia e dignidade, enfrentando o preconceito que os limitava a papéis estereotipados na sociedade e no teatro da época. Com esse objetivo em mente, ele fundou em 1944 o Teatro Experimental do Negro (TEN), uma iniciativa pioneira no combate ao racismo e na promoção da cultura afro-brasileira por meio das artes cênicas.
Ao longo de quase duas décadas, Abdias estabeleceu uma parceria artística com um dos maiores fotojornalistas da história do Brasil: José Medeiros (1921-1991), que trabalhava para a revista O Cruzeiro. Medeiros se dedicou a registrar os ensaios da companhia, a documentar os bastidores do grupo, a retratar os atores e atrizes que participaram das encenações, a fotografar os eventos promovidos pelo TEN, como concursos de beleza, congressos e publicações, entre elas o jornal Quilombo.
O resultado desse encontro pode ser visto na exposição “Teatro Experimental do Negro nas fotografias de José Medeiros”, em cartaz no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo. Com curadoria de Eugênio Lima, a mostra reúne cerca de 110 itens, entre fotografias, a grande maioria inédita, e documentos do acervo do Ipeafro, associação sem fins lucrativas sediada no Rio, fundada em 1981 por Abdias e Elisa Larkin Nascimento. A missão do Ipeafro é preservar e difundir o acervo do dramaturgo, ator, artista plástico, escritor, professor universitário e diretor, dramaturgo, pintor, poeta, ativista e primeiro senador negro da história da República brasileira, que nasceu em 1914 e morreu em 2011.
As lentes de Medeiros registraram com sensibilidade e respeito o papel fundamental do TEM na evolução do teatro moderno no Brasil e na afirmação da identidade negra nas artes e na esfera pública.
– É uma parceria poética e política. Para Medeiros, os retratos deveriam refletir a humanidade e a dignidade de cada pessoa, revelando seu rosto e seu nome – diz Eugênio. – As fotos, nitidamente dirigidas pelo fotógrafo, não são necessariamente o registro de um momento, mas, sim, uma produção feita com a intenção de se tornar icônica.

A maioria das imagens não foi feita durante as apresentações no palco. Ocorreram em meio aos ensaios, “com gestos contundentes de direção e composição de Medeiros”, como se pode ver na foto do alto desta página, que mostra Ruth de Souza e Ilena Teixeira ensaiando a peça “Todos os filhos de Deus têm asas”, em 1946. O fotógrafo, além de documentar, participou ativamente do TEN, chegando a interpretar papéis em algumas montagens.
Segundo o curador, foi provavelmente com restos de filmes utilizados na revista O Cruzeiro que o fotógrafo fazia seus registros sobre o TEN – registros esses que ajudam a consolidar uma memória visual daquele movimento artístico e político inovador.
De acordo com Eugênio, para Abdias não era possível conceber o povo brasileiro sem a contribuição africana e sem a representação negra na cultura e na política.
– No teatro brasileiro, naquela época, às pessoas negras era destinado um lugar estereotipado, quase sempre limitado à comédia, sendo negada a atuação em outros gêneros.
O grupo revelou artistas como Ruth de Souza, Aguinaldo Camargo, Léa Garcia, Haroldo Costa, Mercedes Baptista e o próprio Abdias. O ápice do trabalho foi “Sortilégio – Mistério negro”, peça escrita por Abdias e apresentada no Teatro Municipal do Rio em 1957, a primeira peça escrita por um autor negro na história do teatro brasileiro. Eugênio diz que o Teatro Experimental do Negro foi muito mais que um grupo de teatro, estendendo sua atuação também para a política e a educação, com projetos de alfabetização.
Nas palavras de Eugênio, também eram promovidos os concursos Rainha das Mulatas e Boneca de “Pixche”, com o objetivo de engrandecer a autoestima das mulheres negras. Nos concursos de beleza feminina da época, registrava-se exclusivamente a participação de mulheres brancas – o que, de certa forma, afirmava a beleza como um atributo igualmente branco. De modo diferente, nos concursos promovidos pelo TEN, com participação exclusivamente negra, faziam parte dos critérios de julgamento, além da beleza, o talento criativo, os dotes intelectuais e a postura ética das participantes. Com o objetivo de reivindicar publicamente que a beleza negra não é exceção, mas parte constitutiva da identidade brasileira.
Serviço:
Exposição: Teatro Experimental do Negro nas fotografias de José Medeiros
Local: Instituto Tomie Ohtake
Período: 13 de junho a 3 de agosto de 2025
Endereço: Avenida Faria Lima, 201 (Entrada pela Rua Coropé, 88) – Pinheiros, São Paulo. Telefone: (11) 2245-1900
Horário de visitação: Terça a domingo, das 11h às 19h. Última entrada até as 18h
Entrada gratuita
Classificação etária: Livre