A porção mulher de Walter Firmo
MAURO VENTURA
Ao propor a Walter Firmo ocupar as galerias do Retrato Espaço Cultural, na Glória, a fotógrafa Nana Moraes ouviu de volta uma resposta positiva, mas com uma condição: a de que a própria Nana fizesse a curadoria. Ela adorou a ideia, e sugeriu que eles prestassem uma homenagem às mulheres. Ou seja, que em meio às milhares de fotos do acervo de Firmo os dois escolhessem somente imagens de mulheres.
Ao ouvir a proposta, Firmo emocionou-se profundamente, chorou, falou de sua mãe e completou:
– As mulheres são poderosas, estão sempre à frente, gostaria de ser uma delas. Mas eu me contento em ter o meu lado mulher. Você sabia que sou geminiano com lua em Peixes?
Em seguida, ele cantarolou para ela a música “Super-Homem, a canção”, de Gilberto Gil, aquela que diz num trecho: “Minha porção mulher que até então se resguardara/ É a porção melhor que trago em mim agora/ É o que me faz viver”. Definindo-se como um “homem sonhador”, Firmo dá sua versão para o recorte escolhido por Nana:
– Ela me encostou na parede com aquela doçura vestida em sua candura, e ordenou santificada: “Walter, eu queria você mulher.” Eu nem me assustei sabendo que habito lua em Peixes, logo me prontifiquei falando-lhe que era todo ouvidos. Afinal, foram tantas viagens realizadas por esses Brasis afora, do Norte ao Sul, Leste, Oeste, que me posicionei tranquilo. Já abençoei tantas mulheres, senhoras e meninas lindas no portfólio realizado por tantas décadas que, ungido, estava a me mostrar por inteiro.

Firmo também fez um “pedido especial” a Nana. Ele conta qual foi, mais uma vez com seu estilo poético de falar e fotografar:
– Gostaria de expor fotografias em preto e branco. Esquece esse colorido do Walter. O que vale agora é o preto e branco. Que é uma união, de repente, de cores, né? Que se assoberba nas suas condições mais íntimas. Que é a pura verdade. É uma questão quase que intelectual o preto e branco, que te faz pensar, que te navega.
Nana topou, entusiasmada, como diz:
– Walter Firmo, o aclamado rei da cor, ao desvelar-se em preto e branco colocou-se por inteiro em sua intimidade.
Começava aí a nascer a exposição “Por causa da mulher, amor, eu Firmo”.

Há anos Firmo ministra cursos e oficinas no Retrato Espaço Cultural, onde acontece a mostra. O centro cultural, na Glória, foi concebido por Nana e por seu marido, Carlos Gadelha. É um trabalho em família: Nana é a diretora do espaço, e a filha Lígia, a gerente. Foi por conta dos cursos e oficinas que veio a ideia para que Firmou ocupasse também as paredes das galerias do Retrato.

Recentemente, Firmo esteve em cartaz em várias cidades do país com a mostra “No verbo do silêncio a síntese do grito”. Ela passou por espaços como o Instituto Moreira Salles (IMS) de São Paulo, do Rio e de Poços de Caldas, o CCBB de Brasília e de Belo Horizonte, e o Museu de Arte Moderna da Bahia, em Salvador. Atualmente, ela pode ser vista no Centro de Fotografia de Montevidéu, no Uruguai. A retrospectiva teve curadoria de Sergio Burgi, coordenador de Fotografia do Instituto Moreira Salles, curadoria adjunta de Janaina Damaceno Gomes, assistência de curadoria de Alessandra Coutinho Campos e pesquisa biográfica e documental de Andrea Wanderley.
Desde 2018 o IMS abriga, em regime de comodato, aproximadamente 155 mil fotos feitas por Firrmo ao longo de mais de 70 anos de profissão. O fotógrafo tem uma página dedicada a seu trabalho neste Testemunha Ocular.

Foi por causa dessa exposição tão abrangente e tão recente que Nana pensou em criar um recorte diferente da obra de Firmo e pôr o foco nas mulheres.
– Vivemos em tempos difíceis, tantas guerras, feminicídios, a misoginia latente – ela diz. – E o olhar de Firmo para as mulheres sempre me comoveu.

Outra novidade foi justamente a decisão de ter somente trabalhos em p/b. A ideia de ter Firmo ocupando o Retrato Espaço Cultural veio em abril ou maio desse ano, e durante vários meses ele mandou fotos para ela.
– Pedi que ele me enviasse fotos que tivessem algum significado especial para ele, inclusive fotos que se perderam em meio a seleções passadas. Com o tesouro em mãos, fiz várias seleções até chegar a um fio condutor e começamos a conversar.

Surgia a exposição atual, que entrou em cartaz no dia 22 de novembro e vai até março. Ela traz 20 fotos em formato gigante, feitas com a câmara Rolleiflex e exibidas com o acompanhamento de áudios em que o fotógrafo faz um relato íntimo sobre a construção de cada uma delas. Entre as imagens estão Clementina de Jesus no musical “Rosa de Ouro”, idealizado por Hermínio Bello de Carvalho, em 1965, a atriz e modelo Marina Montini, musa inspiradora de Di Cavalcanti, e um casal de noivos indígenas na Amazônia em 1963.


Nana resume o encantamento que foi trabalhar com o fotógrafo, que para ela faz uma “fotografia afetiva na sua concepção”:
– Mais que uma curadoria, vivi um dos encontros mais lindos que a fotografia me proporcionou. Encontro embalado por momentos memoráveis, conversas tão afetuosas e pura fotografia. Conviver, ou confluir, com Walter Firmo, este garoto de 88 anos que vive a fotografia com tanto sentimento, com tanta paixão, é como mergulhar em uma bela canção.
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Serviço
Exposição: “Por causa da mulher, amor, eu Firmo”
Local: Retrato Espaço Cultural
Período: De 22/11/2025 a 8/3/2026
Endereço: Rua Benjamin Constant 115A, Glória, Rio de Janeiro
Horário de visitação: De quarta a sexta, das 17h às 22h. Sábados e domingos, das 13h às 22h.
Entrada gratuita
Classificação etária: Livre
A seguir, mais fotos de Walter Firmo na exposição:

