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Evandro Teixeira: uma celebração em 90 instantes

MAURO VENTURA

As imagens de Evandro Teixeira fazem parte da memória coletiva brasileira. Em quase 70 anos de profissão, ele nos levou das metrópoles aos grotões do país, das ruas aos gabinetes, das favelas aos palácios, das peladas de várzea às partidas de Copa do Mundo, das cidades às florestas, da ditadura à democracia.

Passeata dos 100 mil, Cinelândia, Rio de Janeiro, RJ, 26/06/1968
Passeata dos Cem Mil, na Cinelândia, no Rio de Janeiro. 26/6/1968

Com sua câmera fotográfica, Evandro nos conduziu até Canudos, com imagens que eternizam os descendentes do massacre e revisitam os cenários marcados pelo confronto entre Antônio Conselheiro e o Exército.

"João de Régis, Ana de Bendegó, Zefa de Mamede, Júlia de João Botão, João Botão e Paulo Monteiro: "testemunhas da guerra de Canudos", Ruínas na Igreja Nova, Açude de Cocorobó, Canudos, BA, 1999"
João de Régis, Ana de Bendegó, Zefa de Mamede, Júlia de João Botão, João Botão e Paulo Monteiro: “testemunhas da guerra de Canudos” nas ruínas na Igreja Nova, Açude de Cocorobó, Canudos (BA). 1999
Dona Ana de João Miguel, Canudos, Bahia, 1994
Dona Ana de João Miguel, Canudos (BA). 1994

O fotógrafo nos emocionou quando, no interior do Ceará, registrou o casal que levava de bicicleta o pequeno caixão do filho de seis meses para ser enterrado. Arrancou-nos um sorriso do rosto quando flagrou Tom Jobim, Vinicius de Moraes e Chico Buarque deitados numa mesa de churrascaria. Transportou-nos para o Forte de Copacabana com o primeiro flagrante do golpe de 1964. Surpreendeu-nos com o clique do soldado caindo da moto em 1965, numa imagem que simbolizava a instabilidade do governo militar. Deixou-nos indignado quando revelou os estudantes presos no porão do Estádio Nacional de Santiago, no Chile, em 1973. Alegrou-nos quando mostrou meninas numa aula de balé na favela do Cantagalo, no Rio.

Presos no porão do Estádio Nacional durante Golpe Militar, Santiago, Chile, 1973
Presos no porão do Estádio Nacional, em Santiago, durante o golpe militar no Chile. 1973

As filhas, Carina e Adryana Almeida, dizem com propriedade: “Evandro sempre foi movimento, presença e história.” De fato, Evandro vivia se deslocando, sem nunca se acomodar. Conservou até o fim o entusiasmo e a curiosidade de um iniciante. Fazia um editorial de moda para o jornal com o mesmo prazer com que viajava para cobrir as coleções de alta-costura em Paris. No carnaval, documentava tanto os grupos de Clóvis dos subúrbios como as tradicionais baianas das escolas de samba.

Grupo de clóvis durante o carnaval na Av. Rio Branco, Rio de Janeiro, RJ, 2010
Grupo de clóvis durante o carnaval na Avenida Rio Branco, no Rio. 2010
BAHIANA DA ESCOLA DE SAMBA MANGUEIRA, PEGANDO O TREM NA CENTRAL, PARA VOLTAR PRA CASA, 1972
Baiana da escola de samba Mangueira indo pegar o trem da Central para voltar para casa. 1972
Carnaval no Rio de Janeiro, RJ, 1981
Espectadores assistem ao carnaval no Rio. 1981

Anônimos e famosos mereciam igual atenção por parte de Evandro. Fosse um vendedor de coco ou o presidente, ele fazia sua arte com capricho e entrega.

Menino na Avenida Rio Branco, Rio de Janeiro, RJ, 1980
Menino na Avenida Rio Branco, no Rio. 1980
Tom Jobim no telhado da sua casa, Rio de Janeiro, RJ, 1974
Tom Jobim no telhado da sua casa, no Rio. 1974
Clementina de Jesus, Banda de Ipanema, Rio de Janeiro, 1968
Clementina de Jesus desfila na Banda de Ipanema, no Rio. 1968
Chico Buarque desfilando na Estação Primeira de Mangueira na Marquês de Sapucaí, Rio de Janeiro, RJ, 1989
Chico Buarque desfilando na Estação Primeira de Mangueira na Marquês de Sapucaí, no Rio. 1989

Certa vez, Evandro explicou essa disposição com que encarava o trabalho: “Nunca disse para meu chefe: ‘Não vou fotografar buraco.’ Porque quando você trabalha em jornal, às vezes tem que ir lá fazer o buraco da rua que atrapalha a vida das pessoas. Tem fotógrafo que diz: ‘Não vou fazer uma merda de um buraco.’ Para mim tudo é importante. É você que dá valor ao seu trabalho, seja buraco, golpe militar, presidente da República”.

Evandro, presença e história

Além disso, como dizem suas filhas, parecia estar presente em todo lugar, do Chile ao sertão baiano. Graças a Evandro, tivemos o privilégio de acompanhar as visitas da rainha Elizabeth, da princesa Diana e do papa João Paulo II ao país. Testemunhamos João Goulart e Maria Teresa no palanque do discurso na Central do Brasil às vésperas do golpe de 1964. Pranteamos o corpo do Pablo Neruda. E seguimos a multidão que, ignorando o toque de recolher do ditador Augusto Pinochet, caminhou durante o enterro do poeta chileno entoando seus poemas.

Pablo Neruda e sua esposa Matilde Urrutia, Rio de Janeiro, 1968
Pablo Neruda e a mulher, Matilde Urrutia, no Rio. 1968

E fez história, com fotos que entraram para o imaginário nacional. Em setembro de 2023, ao discursar na cerimônia de inauguração de sua exposição “Fotojornalismo e ditadura: Brasil 1964/ Chile 1973” no Museu da Memória, em Santiago, ergueu uma câmera e disse: “Esta foi a minha arma contra a ditadura no Brasil e no Chile!”.

Carne de vaca entrnado no Ministério da Defesa Chilena, em seguida Evandro foi preso por uma noite, Golpe militar do Chile, Santiago, Chile, 1973
Carne de vaca entrando no Ministério da Defesa Chilena, em Santiago, durante o golpe militar de 1973. No dia seguinte, Evandro foi preso por uma noite

Obra versátil

Para marcar os 90 anos que Evandro completaria no dia 25 de dezembro, apresentamos aqui 90 fotos do “rei do fotojornalismo”, como o fotógrafo Sérgio Moraes classificou o amigo. Cinquenta delas fazem parte da página de Evandro neste site e foram selecionadas por ele mesmo, quando da criação do Testemunha Ocular, em 2022. As 40 restantes foram escolhidas agora pelo documentarista Alexandre Delarue Lopes, responsável pelo processamento e pela conservação do arquivo dos Diários Associados RJ/Acervo IMS.

Estão presentes na seleção os principais temas da obra versátil de Evandro: política, esporte, questões sociais, carnaval, Canudos, religião, comportamento, cultura, trabalho, etnias indígenas, moda, denúncia. E as muitas festas populares, profanas ou sagradas, como a Missa do Vaqueiro, como se vê na foto do alto dessa página. É um tradicional evento católico em homenagem à alma de Raimundo Jacó, morto numa emboscada. A vida de Jacó foi imortalizada por seu primo, Luiz Gonzaga, que compôs “A morte do vaqueiro”.

Baianas no primeiro dia de ano novo, Praia de Ipanema, Rio de Janeiro, RJ, 2011
Baianas no primeiro dia de ano novo, na Praia de Ipanema, no Rio. 2011
Indígenas na Aldeia Kari-Oca, Jacarepaguá, Rio de Janeiro, 2012
Indígenas na aldeia Kari-Oca, em Jacarepaguá, no Rio. 2012
Procissão de São Sebastião, Praça do Russel, Rio de Janeiro, RJ, 1986.
Procissão de São Sebastião, na Praça do Russel, no Rio. 1986.
Seleção masculina celebrando a primeira medalha de ouro para o Brasil em Olimpíadas, Maracanã, Rio de Janeiro, RJ, 20/08/2016
Seleção masculina de futebol celebrando a primeira medalha de ouro para o Brasil em Olimpíadas, Maracanã, Rio. 20/8/2016
Marta no jogo da seleção brasileira feminina, jogos olímpicos, Rio de Janeiro, RJ, 2016
Marta no jogo da seleção brasileira feminina no Jogos Olímpicos do Rio. 2016

Homenagens

Desde que morreu, aos 88 anos, no dia 4 de novembro de 2024, Evandro vem sendo celebrado de várias formas. A mais emocionante aconteceu na 5ª edição na Feira Literária de Canudos, no fim de julho deste ano, quando ele foi o grande homenageado. No evento, sua trajetória foi lembrada por especialistas em mesas redondas, enquanto crianças e jovens das escolas da região fizeram trabalhos inspirados em suas obras.

– Foi incrível ver a potência e a criatividade dos alunos – diz Carina. – Cada encontro foi um pedacinho de meu pai presente ali.

Em novembro passado, outro motivo de festejo: a Casa dos Saberes Conselheiristas da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), localizada no Parque Estadual de Canudos, ganhou o nome de Evandro Teixeira.

A mesma Canudos eternizada por suas lentes, onde um ano antes suas cinzas foram depositadas pelas filhas, mais especificamente nas águas do Açude de Cocorobó.

Baiano de Irajuba, um povoado a 307 quilômetros de Salvador, ele ganhou outra celebração em seu estado natal: uma exposição de 25 fotógrafos amigos intitulada “Uma foto para Evandro: um tributo a Evandro Teixeira”, que inaugurou no Dia Mundial da Fotografia, 19 de agosto.

Teve mais. No festival Paraty em Foco, em setembro, houve a homenagem póstuma “Relembrando os amigos: Sebastião Salgado e Evandro Teixeira”, que contou com a participação de Sergio Burgi, coordenador de fotografia do Instituto Moreira Salles, do fotógrafo Milton Guran, de Adryana Almeida e do filho de Salgado, Juliano Salgado.

E novas homenagens vêm aí em 2026, como um seminário promovido por este site Testemunha Ocular que, além de celebrar Evandro, vai discutir o fotojornalismo brasileiro e internacional diante das transformações no campo da comunicação e das artes frente à fotografia documental, seu legado e seu futuro. Serão cinco eixos temáticos numa programação de dois dias, em formato presencial e online.

Festa de Cosme e Damião, Rio de Janeiro, RJ, 1976
Festa de Cosme e Damião, Rio de Janeiro. 1976

Comemoração do ano novo na praia de Copacabana, Rio de Janeiro, RJ, 1982

Comemoração do Ano Novo na Praia de Copacabana, no Rio. 1982

Olho bom e sorte

São muitos os adjetivos com que os admiradores de Evandro se referem ao mestre. “Intuição e senso de oportunidade ajudam a explicar o talento de Evandro, que também esbanjava audácia”, diz Flavio Pinheiro, que, quando à frente do Instituto Moreira Salles, trouxe para o IMS o monumental acervo de mais de 150 mil fotos do fotógrafo. “Ele tinha o vício do instante. Desconcertou autoridades com humor, picardia e atrevimento. Enfrentou, destemido, interdições, às vezes brutais, ao seu trabalho. Desafiava perigos na instintiva procura de gestos, de ângulos, de imagens oportunas. Era um olho atento, preciso, sagaz, malandro, quase onipresente.”

Evandro preferia definir assim seu ofício: “Fotografia é um conjunto de fatores: tem que ter um olho bom, experiência, conhecimento, técnica e, fundamentalmente, sorte.” A humildade estava presente ainda em outra declaração: “Minha aventura pessoal se identifica com a aventura vivida pelo mundo. Não tenho méritos para isso, sou um homem manejando uma câmera. Quando bem operada, é um fósforo acesso na escuridão. Ilumina fatos nem sempre muito compreensíveis. Oferece lampejos, revela dores do impasse do mundo. E desperta nos homens o desejo de destruir este impasse.”

Cruzeiro no alto da favela, local da Guerra de Canudos, Parque Estadual de Canudos, BA, 2021
Cruzeiro no alto do morro, no local da Guerra de Canudos, Parque Estadual de Canudos (BA). 2021
Mandacaru no Sertão da Bahia para o livro Vidas Secas 70 anos, BA, 2008
Evandro fotografou o mandacaru no Sertão da Bahia para o livro “Vidas Secas 70 anos”. 2008

A realeza britânica

Os colegas apontam outras características, como a generosidade, a alegria, a versatilidade, a simplicidade, a competência, o caráter, a coragem. Um dos traços mais evidentes era mesmo a ousadia. Evandro não tinha cerimônia. Quando o então príncipe Charles esteve no Espírito Santo em 1991, ficou de costas para os fotógrafos ao plantar uma muda de pau-brasil. Evandro não pestanejou e gritou: “Ô, príncipe, vira pra cá, porra!”. Charles se virou. E a foto foi feita.

Em 1968, vinte e três anos antes dessa cena, ele também teve jogo de cintura para registrar a mãe de Charles, a rainha Elizabeth II, de passagem para inaugurar a nova sede do Museu de Arte de São Paulo (Masp). Evandro furou o cerco da segurança e enfiou a câmera pela janela entreaberta do carro em que a rainha se ajeitava para sentar. Teve tempo de tirar a foto antes de ser derrubado e fraturar o cotovelo.

Nada que o impedisse seguir sempre em movimento, em busca do melhor, mais inusitado e mais revelador ângulo.

Prova de cavalo completo durante os Jogos Pan Americanos, São Paulo, 29 de abril de 1963
Prova de cavalo completo durante os Jogos Pan-Americanos, em São Paulo. 29/4/1963
Ronaldo, momento em que levou uma solada do jogador Chiba do Marrocos pela Copa do Mundo, França, 1998
Ronaldo após levar uma solada do jogador Chiba, do Marrocos, pela Copa do Mundo da França. 1998
Usain Bolt na comemoração do tricampeonato olímpico nos 100 metros rasos no atletismo, Estádio Olímpico Nilton Santos, Rio de Janeiro, RJ, 14/08/2016
Usain Bolt comemora o tricampeonato olímpico nos 100 metros rasos no atletismo, Estádio Olímpico Nilton Santos, Rio. 14/8/2016
Itamar Franco e Fidel Castro na Cúpula Ibero-Americana dos Chefes de Estado e de Governo, Salvador, Bahia, 1993
Itamar Franco e Fidel Castro na Cúpula Ibero-Americana dos Chefes de Estado e de Governo, em Salvador (BA). 1993
Família do ferreiro Seu Venâncio, Fortaleza, CE, 1992
Família do ferreiro seu Venâncio, morador de Fortaleza (CE). 1992
Morador de São José do Ribamar, Maranhão, 1968
Morador de São José do Ribamar, no Maranhão. 1968
Vendedores de coco na praia, Ilha de Itaparica, BA, 1987
Vendedores de coco na praia, Ilha de Itaparica (BA).1987
Helô Pinheiro, praia de Ipanema, Rio de Janeiro, RJ, 1965
Helô Pinheiro na Praia de Ipanema, no Rio. 1965
Atriz Luiza Maranhão, posando na Avenida Presidente Vargas, Rio de Janeiro, RJ, 1966
A atriz Luiza Maranhão posa na Avenida Presidente Vargas, no Rio. 1966

Outros destaques

Na seção Vida Longa do Testemunha Ocular, você encontra ainda uma entrevista em vídeo em que Evandro repassa sua trajetória. É possível também ler um artigo de Elvia Bezerra sobre o poema que Carlos Drummond de Andrade dedicou a ele. E na página do fotógrafo está um dossiê de mais de 340 páginas feito pela pesquisadora Andrea Camara Tenório Wanderley que traz a cronologia da vida e da obra de Evandro, com links para as reportagens de que ele participou.

A seguir, mais fotos de Evandro Teixeira selecionadas em seu acervo, que está desde 2019 sob a guarda do Instituto Moreira Salles:

Casamento, Paraty, Rio de Janeiro, 1969
Casamento em Paraty (RJ), em 1969. Depois da foto, o casal e os convidados foram a uma padaria comemorar com leite e biscoitos
Índios da tribo Pataxó jogando futebol com a Cruz em Coroa Vermelha - região onde desembarcou Pedro Álvares Cabral e onde foi realizada a primeira missa no Brasil ao fundo, Santa Cruz Cabrália, Bahia, 2012
Indígenas Pataxó jogam futebol. Ao fundo, a cruz em Coroa Vermelha, região onde desembarcou Pedro Álvares Cabral e foi realizada a primeira missa no Brasil. Santa Cruz Cabrália (BA). 2012
Governador Leonel Brizola com Nelson Mandela em visita ao Rio de Janeiro, 1991
O governador Leonel Brizola com Nelson Mandela em visita ao Rio. 1991
Comemoração da vitoria de Trancredo Neves nas eleições para presidente, Brasília, 1985
Comemoração da vitória de Tancredo Neves na eleição indireta para presidente, em Brasília. 1985
Braguinha e Clara Nunes, Banda de Ipanema, Rio de Janeiro, 1968
Braguinha e Clara Nunes desfilam na Banda de Ipanema, no Rio. 1968
Dona Ana de João Miguel, Canudos, Bahia, 1994
Dona Ana de João Miguel, em Canudos (BA). 1994
Sagrado ritual fúnebre do Kuarup, Região do Alto Xingu, Mato Grosso, 2012
Ritual fúnebre do Kuarup, na Região do Alto Xingu, em Mato Grosso. 2012
Meninos na escadaria da Igreja do Santíssimo Sacramento, Pelourinho, Salvador, BA, 1992
Meninos se divertem na escadaria da Igreja do Santíssimo Sacramento, Pelourinho, Salvador (BA). 1992
Missa dos Vaqueiros, Serrita, Pernambuco, 2011
Missa do Vaqueiro, Serrita, Pernambuco. 2011