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O Pantanal arde

MAURO VENTURA

Durante oito dias, o fotógrafo Ueslei Marcelino e seu colega cinegrafista Leonardo Benassatto percorreram o Pantanal em barco de pesca, em cima de trator e até montados a cavalo para registrar o pior incêndio que já atingiu a região, com 2.571 focos de calor em todo o bioma. O fogo nos seis primeiros meses do ano já é 8% maior em comparação a 2020, fazendo de 2024 o recorde de queimadas. A devastação alcançou 502.650 hectares, em comparação com os 249.125 hectares de 2020 – um aumento de 102%. Uma área quase quatro vezes maior que o território da cidade de São Paulo já queimou este ano.

– A situação é extremamente difícil – diz Ueslei, que ficou lá de 8 a 14 de junho, documentando o problema para a agência Reuters. – Mesmo as regiões alagadas próximas a Corumbá, no Mato Grosso do Sul, estão em chamas. E os incêndios já acontecem há semanas.

Ele esteve no Pantanal em 2010, e o drama agora é muito maior. Neste ano, a temporada das chamas, que começaria em julho, chegou bem mais cedo.

– Acho que a principal diferença é que esse ano os focos de incêndio começaram antes do que se esperava. Algumas pessoas inclusive usam isso como desculpa para NÃO terem se preparado para esse combate inicial. Porém, as condições são as mesmas de outros anos: brigadas reduzidas e sem equipamentos necessários, ações paliativas e condições climáticas como muito vento, baixa umidade do ar e temperaturas mais altas, o que só potencializa os grandes incêndios.

E ainda há um agravante: áreas que ainda não tinham se recuperado de anos anteriores foram consumidas novamente, e com muito mais rapidez, pelo fogo.

Ueslei documentou a fumaça no horizonte, o fogo por todos os lados, o drama dos moradores e o horror dos animais consumidos pelas chamas.

– Encontrei, por exemplo, um pequeno macaco literalmente carbonizado, possivelmente na mesma posição em que estava antes de morrer, o que indica que a força do fogo foi tão visceral que o paralisou dessa forma. Uma cena muito forte e triste.

Ueslei diz que, por sua particularidade geográfica, o incêndio no Pantanal difere do que ocorre em florestas.

– É diferente de combater em florestas. No Pantanal, não adianta muito enviar uma tropa de cem homens para combater o fogo. A geografia do local precisa de apoio logístico pesado. São necessários equipamentos diferenciados, como tratores, carros pipas, esteiras, aeronaves, helicópteros e barcos adaptados. São áreas que deveriam estar alagadas, mas que agora estão secas devido à estiagem.

Os rios estão com os níveis abaixo da média esperada para essa época do ano. Com isso, os brigadistas não conseguem bombear a água para apagar o fogo. Para piorar, o vento muda a toda hora de direção, espalhando novos focos.

– Não tem acesso fácil, então é necessário trator para fazer caminhos, por exemplo. Ou o uso de aeronaves para pousar equipamentos. Além, claro, de brigadas de incêndio formadas e treinadas localmente, de preferência com moradores de lá, que conhecem melhor os acessos e caminhos.

O Pantanal é a maior planície alagada do mundo. Mas, ao longo do tempo, vem sofrendo redução das áreas de rios, lagos e campos cobertos de água, tendo perdido em média 29% de sua superfície alagada nos últimos 30 anos. A redução dos terrenos encharcados e dos cursos de água – provocada pelas mudanças climáticas, pelo crescimento do desmatamento no Cerrado e pela degradação das nascentes e rios – facilita a propagação dos incêndios.

Ueslei é fotógrafo correspondente da Reuters no Brasil há 14 anos. Cobre com frequência temas ligados ao meio ambiente.

– A agência nos brinda com vários cursos e preparações para ambientes hostis – conta. – Ano passado fui à Califórnia fazer um curso específico sobre como cobrir grandes incêndios. Fez toda diferença esse conhecimento para eu fazer a cobertura do início desses incêndios no Pantanal. Fomos a primeira equipe jornalística a cobrir esse ano, e noticiamos com muito mais eficiência, segurança e mais conteúdo em tempo real sobre o que está acontecendo.

Na ida ao Pantanal em 2010, ele retratou atividades da pesca artesanal entre as cidades de Corumbá e Miranda.

– Havia água em abundância, o verde visivelmente ocupando espaços e um cenário completamente diferente do que podemos ver nas fotografias atuais – lamenta ele, que complementa: – A mudança do clima está em curso há muitos anos e parece que a gente se entorpeceu com isso, achando que não sentiríamos os efeitos tão rapidamente assim. Hoje eu só temo que essa mudança climática não tenha mais solução, e seja acelerada nos próximos anos.

Ueslei Marcelino, da Reuters, fotografou o pequeno macaco carbonizado em meio à vegetação queimada no Pantanal.
Crânio de jacaré queimado pelo incêndio no Pantanal. Foto de Ueslei Marcelino/Reuters.
O incêndio matou animais como o jacaré. Foto de Ueslei Marcelino/Reuters.
A fumaça provocada por incêndio no Pantanal: maior queimada já registrada no bioma. Foto de Ueslei Marcelino/Reuters.
Bombeiros voluntários da brigada do Alto Pantanal caminham por área queimada enquanto trabalham para extinguir um incêndio no Pantanal. Foto de Ueslei Marcelino/Reuters.
Uma visão de drone mostra a fumaça de um incêndio subindo no ar enquanto árvores queimam entre a vegetação no Pantanal. Foto de Ueslei Marcelino/Reuters.
Brigadistas caminham por área queimada no Pantanal: dificuldades para combater o fogo. Foto de Ueslei Marcelino/Reuters
Ueslei Marcelino, da Reuters, registrou a árvore queimando no Pantanal, em meio ao céu estrelado.
O fazendeiro Cleiton José tenta afastar o gado do fogo, no Pantanal. Foto de Ueslei Marcelino/Reuters.
Moradora resiste em meio à fumaça do incêndio no Pantanal. Foto de Ueslei Marcelino/Reuters.