Ricardo Chaves, o Kadão (1951-2025), referência do fotojornalismo brasileiro
EQUIPE TESTEMUNHA OCULAR
Brizola, o papa João Paulo II, Collor, Chico Buarque, Xuxa, Lulu Santos e Fernanda Montenegro. Ao longo de seus mais de 50 anos de carreira, iniciada em 1969, aos 18 anos, quando começou a trabalhar no departamento fotográfico do jornal Zero Hora, Ricardo Chaves, o Kadão, construiu uma trajetória brilhante que o tornou referência entre os colegas.
Nascido em Porto Alegre, ele passou por alguns dos principais veículos de comunicação do país, como Jornal do Brasil, revistas Veja, IstoÉ e Placar, e Agência Estado.
Kadão transitava da política à cultura. Cobriu a volta dos exilados, a vida artística do Rio nos anos 1970 e 1980, o fim da ditadura militar e o início do governo Collor, os funerais de Tancredo Neves e de João Goulart, entre muitos outros registros importantes da história brasileira.

Kadão morreu neste dia 4 de abril, aos 73 anos, em decorrência de um câncer de bexiga. Os colegas de profissão destacaram seu espírito agregador, sua habilidade em contar causos, seu grande coração, seu amor pelas motos e pelo churrasco, e seu imenso talento.
– Perdemos o melhor de todos nós. Como era divertido escutar suas histórias, falava do Brizola, do Lupicinio Rodrigues (parceiro de seu Chaves, pai do Kadão) e muito mais. Tomar um café com o Kadão era uma aula de vida – escreveu nas redes sociais o fotógrafo Sérgio Moraes, que trabalhou com Kadão na Isto É, nos anos 1980.
Brizola, aliás, é um capítulo à parte na trajetória de Kadão. No jornal Zero Hora, o fotojornalista Jefferson Botega lembrou que o colega foi o primeiro fotógrafo brasileiro a registrar Brizola no Uruguai, em 1974, após dez anos de exílio. Segundo Botega, o ex-governador levou os jornalistas até Montevidéu em uma Kombi e, durante o caminho, proferiu a famosa frase: “Fui derrotado militarmente, mas não politicamente. Eu vou voltar”. A comemoração da volta de Brizola ao Brasil, em 1979, com a lei da anistia, foi igualmente registrada por Kadão.

— O que mais moldou meu caráter foram a lealdade e a ética do Kadão. Para ele, não bastava ser um bom fotógrafo, tinham muitos outros valores que tinham de vir junto. Respeito, ética e lealdade eram algumas das características que ele prezava — disse Botega ao jornal Zero Hora. — Nas redações, seu jeito tranquilo escondia um olhar atento, que via além do óbvio. Na rua, sua câmera era extensão da alma. E, nos bastidores, era aquele que sabia ouvir, aconselhar e, quando necessário, cobrar, sempre com honestidade e afeto. A partida dele deixa um vazio imenso, mas também um legado que segue vivo em cada um que teve a sorte de aprender com ele.
O fotógrafo Rogério Reis também escreveu nas redes sociais sobre o amigo:
– Hoje perdemos a inteligência e o humor perspicaz do nosso querido Kadão. Motoqueiro, brizolista como poucos, gaúcho amante da boa carne, seu livro “A força do tempo: História de um repórter fotográfico” (Editora Libreto) é leitura obrigatória para os interessados em jornalismo como tema e profissão”.

A pedido de Kadão, o jornalista Flavio Pinheiro, criador do site Testemunha Ocular, escreveu um texto para o livro “A força do tempo”:
“Inverno europeu de 1981. Dias de céu azul esmaltado, frio de rachar. Eu e Kadão cobríamos para a Veja a visita do presidente João Figueiredo a Paris e, depois, Lisboa. Logo no primeiro dia, homenagem ao soldado desconhecido no Arco do Triunfo. Figueiredo, com aquele jeitão cavalariano, deposita volumoso buquê de flores em cima da pira ardente. A foto feita por Kadão sai na revista com a legenda ‘corbeille flambé’. Nas noites parisienses, a brasileirada da delegação sacudia-se dançando na boate 78 do brasileiro Ricardo Amaral. Éramos das poucas testemunhas de imprensa. Na revista saiu a foto feita por Kadão do então presidente da Funai (índios em Paris?), sobraçando uma senhora, com os cabelos grisalhos salpicados de um confete aspergido do teto. O homem, depois, ficou tentando inutilmente explicar o que estava fazendo na trupe de Figueiredo. Foi uma viagem corrida. Muito trabalho mas alguma diversão. Certo dia nos dispersamos. Segui Figueiredo em modorrentos encontros com o empresariado francês, que dispensavam registro de imagens. Kadão foi premiado. Acompanhou dona Dulce em desfiles de moda exclusivos com que a primeira-dama foi agraciada nesta viagem. Registrou o brilho nos olhos dela embevecidos com a torrente de grifes. No fim deste dia, eu voltava para o hotel e em plena Etoile, na roda de fogo do trânsito que rodeia o Arco Triunfo, ouvi meu nome ser gritado. Da janela de um táxi emergia o corpanzil do Kadão: ‘Isso aqui é menor que Passo Fundo’. Antes que isso pareça só um anedotário de viagem, convém registrar que em seu livro ‘Notícias do Planalto’ Mario Sergio Conti conta que a viagem a França e a Portugal flambou de vez as relações do governo Figueiredo com a Veja com todas as consequências – boas e ruins – que isso teve. Fizemos nossa parte.”
– Por essa, e tantas outras jornadas, decidi que Kadão seria o primeiro fotojornalista convidado para o Testemunha Ocular – diz Flavio, criador do site do Instituto Moreira Salles dedicado a preservar e difundir o passado e o presente do fotojornalismo brasileiro.
A página de Kadão no Testemunha Ocular pode ser vista aqui.