Imagens inesquecíveis da condição humana
MAURO VENTURA
Durante seus 51 anos de carreira, o fotógrafo Sebastião Salgado registrou as dores e as belezas do mundo. Dono de um olhar sensível e humanista, eterno andarilho, dedicou-se a temas sociais e ambientais, com uma preocupação incessante em documentar com suas fotos em preto e branco tanto as pessoas marginalizadas como as paisagens majestosas e ameaçadas, da Floresta Amazônica à região Ártica.
Os fotógrafos do site Testemunha Ocular falam sobre a importância e o legado do colega, que morreu aos 81 anos, dia 23 de maio de 2025, por conta de uma leucemia, que surgiu como evolução de complicações de uma malária que atingiu o fotógrafo em 2010, quando visitava a Indonésia, como parte de seu trabalho “Gênesis”.
A fotografia perdeu um gigante. Salgado é referência mundial com um trabalho potente e superimportante no fotojornalismo e na fotografia documental. Ele é autor de uma foto histórica em 1981, quando foi o único fotógrafo que capturou o atentado ao presidente americano Ronald Reagan. Mas ele não queria ser lembrado apenas por esse caso. Mergulhou em outros trabalhos fortes e relevantes. O trabalho dele que mais me marcou foi sobre o garimpo de Serra Pelada. Uma informação que acho importante é sobre a mulher dele, (a designer, cenógrafa, produtora e ambientalista) Lélia Wanick Salgado. Ele se tornou um gigante graças ao total apoio e dedicação de Lélia, que foi muito importante em toda a sua trajetória. Costumo dizer que ao lado de um grande homem tem sempre uma grande mulher. Salgado foi uma verdadeira testemunha ocular dos tempos modernos e deixou um grande legado para todos nós.

Aos 20 anos, comecei acompanhar o trabalho do Sebastião Salgado. Ele sempre foi a minha referência na fotografia. Não me recordo de ver alguém tão importante quanto ele na fotografia documental. Ele amava o Brasil. Foi um lutador pela causa das pessoas que não tinham direito a nada. Deu voz aos excluídos e brigou por eles, isso foi o que marcou a sua trajetória como fotógrafo e como pessoa. Na questão ambiental, foi um pouco pioneiro. Chamou atenção do mundo com suas imagens. E depois pegou uma fazenda antiga da família e replantou uma enorme Mata Atlântica. Poucas pessoas fizeram o tanto que ele fez. Seu legado é uma lição de vida. Qual pessoa larga um bom salário para virar um fotógrafo? Para mim, ele passou a lição de que tudo vale muito a pena ser feito, de que não se deve desistir dos seus sonhos. Saia da televisão, vá para a rua fazer o que precisa ser feito, chame a atenção do mundo para as coisas que estão fazendo mal a todos, deixe a sua marca de luta para diminuir o sofrimento da humanidade.

O mundo perdeu hoje uma das maiores personalidades. Salgado escreveu com luz parte da história da humanidade.
Sebastião Salgado teve a sensibilidade de entender quais eram os grandes temas da humanidade e utilizou a fotografia para levar essas questões para uma audiência global. Acho que esse foi o grande legado de Sebastião, que foi um dos fotógrafos mais importantes da história e também um dos mais longevos. Quando estudei fotografia no início dos anos 1990, Sebastião era um dos grandes autores da fotografia documental, ao lado de Eugene Smith e Joseph Kouldelka. Depois disso continuou produzindo grandes projetos por mais trinta anos. A sua produção fotográfica é inigualável.

Eu ainda era adolescente quando minha mãe comprou o livro “Trabalhadores” e fiquei fascinado. Ali acendeu minha veia fotográfica, como ferramenta de denúncia da eterna e intolerável injustiça social que assola nosso país há séculos. Entendo, respeito e discordo da visão de Salgado sobre a Amazônia, na qual os povos indígenas são retratados distantes das enormes ameaças que os aniquilam e destroem a casa-floresta. Discordo também de sua fala sobre as fotos feitas com telefones celulares. Sebastião Salgado foi o maior fotógrafo brasileiro, talvez do mundo. Sua importância é única e sua contribuição para a humanidade é ímpar. Vá em paz. Acendo uma vela por aqui para honrar sua passagem por esta terra.

O mundo e, principalmente, nós, brasileiros, perdemos um dos maiores artistas contemporâneos. Seu trabalho colocou à mostra as entranhas da humanidade com uma sensibilidade única. O que nos consola é que seu trabalho será eterno.
O mundo perde um dos maiores fotógrafos: Sebastião Salgado. Seu olhar especial capturou as dores e belezas da humanidade, ultrapassando fronteiras e culturas. Cada vez que nos sentávamos para conversar era como ter uma aula mestra sobre arte, Amazônia e fotografia. Aos 81 anos, ele deixa um legado enorme, mostrando que a arte pode ser uma voz forte de mudança e uma ferramenta poderosa para a conscientização.

Sebastião Salgado foi um dos maiores fotógrafos desse mundo. Foi também um invasor da mente de cada fotógrafo de gerações que o sucederam. Suas imagens foram gravadas na nossa memória. Quando fotografei o garimpo ilegal em Terra Indígena Yanomami, eram as imagens de Serra Pelada que me vinham à mente. Quando retratei indígenas pela primeira vez, eram as imagens de Salgado que perseguia. Comecei a me educar visualmente folheando os livros “Trabalhadores”, “Êxodos”, “África”, “Terra”. (…) Suas imagens em preto e branco se tornaram referência mundial. Estamparam lutas e causas, foram publicadas em veículos, livros, ganharam galerias e museus. Em seus trabalhos mais recentes, e por isso talvez mais conhecidos, Salgado voltava sua arte a um planeta em constante mudança. São essas fotos que foram ultimamente expostas no Brasil e em diversas cidades mundo afora. “Gênesis” é como um berro da natureza extrapolando as margens dessas fotografias. E da aproximação mais intensa, nos últimos anos, com a Amazônia, Salgado levou seu foco aos povos originários. Esses trabalhos dão a dimensão da importância que o fotógrafo dedicava à preservação do planeta. (…) Em seu ofício de caçador, garimpeiro, pescador, Salgado não destruía, mas nos entregava em composições fotográficas essa memória da importância da preservação do planeta, das lutas por sobrevivência dos homens, da busca por seus direitos e sonhos, da importância da fotografia em denunciar e tornar belo.

Em um papo de algumas horas há uns dez anos, no começo da minha carreira, Sebastião me deu duas valiosas lições: a ser fiel à minha luz e a não temer a política da fotografia. Obrigada por isso. O maior fotógrafo do Brasil e um dos maiores do mundo descansa. Vá em paz, Sebastião Salgado.
Perda imensa! Grande humanista, gigante da fotografia mundial, referência para todos.
Em agosto de 2005, encontrei Salgado no Xingu durante a festa do Quarup. Eu cobria o evento pela Reuters e ele estava no meio da produção de seu livro “Gênesis”. Lembro da surpresa de vê-lo fotografando com uma câmera Pentax 6×4,5 e filmes 120, de grande formato. Para os mais novos, Salgado era conhecido pela fidelidade às câmeras Leica. Perguntei e ele disse que estava adorando o formato maior. Ele já digitalizava as fotos, mas não usava câmeras digitais. Mais tarde ele aderiu à Canon digital.

No dia em que Sebastião Salgado doava obras de sua autoria ao governo brasileiro em uma cerimônia no palácio do Itamaraty, José Cruz e eu éramos os únicos fotógrafos cobrindo a entrega oficial das fotografias. A cerimônia acabou, e Zé foi embora. Eu me sentei ali mesmo no hall principal do palácio e abri meu computador para enviar as fotos para a agência em que trabalhava. Por uns vinte ou trinta minutos fiquei com a cabeça baixa editando, legendando e enviando. Senti alguém se aproximar e perguntar sobre a lente que eu usava: “Nossa, que lente grande, essa vai até a lua?”. Eram umas 19h30, eu estava cansado e respondi educadamente, mas sem entusiasmo, que, sim, ela iria até a lua. “Posso olhar através dela?”, insistiu a pessoa calmamente enquanto eu resolvia olhar para cima. Que susto! A pessoa já segurava a minha câmera no rosto antes que eu pudesse me levantar. Pasmo, me dei conta de que era o próprio Sebastião Salgado que, sorrindo com meu susto, disse que nunca havia fotografado com uma lente dessas. Assim começou nosso papo sobre equipamentos, que durou uns cinco minutos. Ele foi cordial, educado e humilde demais. Tirou um convite do bolso e me entregou. Era o acesso para a abertura de uma exposição no CCBB naquela noite. Era o meu aniversário, e Dia do Repórter Fotográfico, podem imaginar um presente melhor? Chegando à exposição o próprio Sebastião me recebeu e me apresentou a embaixadores e empresários. Outros colegas fotógrafos estavam lá também e um “parabéns” para mim foi cantado. Saber de sua morte tornou o dia foi estranho. Sensação de que perdi um amigo, uma pessoa próxima demais, pois suas fotografias, agora eternizadas, sempre falaram comigo como se eu soubesse o que ele estava pensando ao fazer aquelas imagens. Perde a cultura, perde o fotojornalismo. Perdemos todos nós! Antes de me despedir desse encontro eu intimamente disse a ele que todo fotógrafo gostaria de ser o Sebastião Salgado. Ele, olhando no meu olho, disse que até ele mesmo gostaria de ser o Sebastião Salgado. E, apontando para sua mulher, disse que sem ela nada disso teria sido possível. Viva Lélia, viva Sebastião Salgado.

Um dos principais fotógrafos da atualidade, Sebastião Salgado iniciou sua carreira como documentarista social. Ao longo de sua vida profissional, no entanto, os horrores presenciados em guerras, a realidade da fome e da injustiça social que ele retratou afetaram sua saúde física e psicológica. “Já tive vergonha de ser fotógrafo e fazer parte da espécie humana”, disse ele. Ele partiu, então, para a fotografia de meio ambiente. Ainda assim, a sua incansável procura por justiça o levou a denunciar o extermínio de povos originários e a extinção de habitats e vida selvagem. “Eu fotografei o mundo”. Seu grande talento para construir pautas de abrangência mundial o levou a mais de 160 países. Um trabalho documental que resultou em uma narrativa humanista da vida e de populações em todo o planeta. Quem teve a oportunidade de assistir a uma palestra do grande mestre esteve, antes de tudo, em uma aula de reportagem da mais alta qualidade. Seu trabalho de mais de 500 mil imagens é um grande legado para a humanidade.