A miséria invencível
EQUIPE TESTEMUNHA OCULAR
O fogo ainda não tinha terminado, mas os moradores do conjunto habitacional Amarelinho já disputavam os restos de comida do que sobrou do incêndio no Ceasa, a central de abastecimento localizada em Irajá. A cena forte marcou o fotojornalista Custodio Coimbra.
– As pessoas, famintas, se arriscavam para catar as sobras, em meio aos escombros – lembra ele, que tem sua coleção abrigada nas reservas do Instituto Moreira Salles e conta com uma página dedicada a seu trabalho no site Testemunha Ocular.
O episódio no Ceasa aconteceu em 2004, mas poderia ter sido agora. Durante os últimos 30 anos, o fotojornalista tem feito registros impactantes da miséria que assola a população fluminense. Como a foto de uma menina de 13 anos amamentando seus filhos gêmeos num barraco na Cidade de Deus, em 2000. Quatro anos depois, ele voltou à favela para uma reportagem sobre desabrigados que haviam sido deslocados para lá de forma provisória. Mas o que era temporário se tornou definitivo. As precárias e improvisadas casas de madeira haviam se tornado moradia permanente para uma legião de sem teto, vítimas das enchentes. As imagens feitas por Custodio ao longo dos anos mostram a perpetuação da pobreza – é bom lembrar que uma pesquisa recente revelou que a quantidade de pessoas passando fome quase dobrou em menos de dois anos, atingindo mais de 33 milhões de brasileiros.
Esse quadro dramático tem origem numa série de razões, entre elas algumas apontadas por Custodio a partir de sua experiência em campo:
– O que mais me chama a atenção nesses anos todos é a quantidade de mães solo. Sobra para a mulher o peso maior da situação de miséria. Também vejo muita maternidade precoce, analfabetismo, crianças sem registro e crescimento desordenado.
Entre esses excluídos que ele flagrou durante seu trabalho estão mulheres num acampamento de desabrigados pela chuva em Sepetiba, na Zona Oeste, em 2011.
As duas imagens mais antigas guardadas no IMS datam de 1972 e mostram as antigas palafitas do Complexo da Maré, em frente à Ilha do Fundão. Em 1999, foi a vez de Custódio fotografar uma situação semelhante: as palafitas no Rio Farias-Timbó, em Bonsucesso.
– Passados 50 anos dessas primeiras fotos, o que se percebe é que há um processo lento e gradual de degradação ambiental e desigualdade social – lamenta o fotojornalista, um dos mais destacados cronistas visuais do Rio de Janeiro.